Diário da Rússia

Aleksey Khovanov

Kronstadt: Cidade de glórias navais

A rica história do posto avançado sobre o Báltico

“Defender a frota e este lugar até as últimas consequências é o objetivo principal.” Essas palavras estão inscritas no decreto do czar Pedro I de 1720 e foram talhadas no pedestal do monumento ao imperador na cidade de Kronstadt. Somente uma frase que, entretanto, definiu o papel de Kronstadt na história da Rússia. Desde o início, a cidade foi e continua sendo uma fortaleza, um posto avançado de defesa de São Petersburgo e da Rússia pronto para enfrentar qualquer ameaça vinda do mar Báltico.

Até 1993 a cidade permaneceu fechada para visitações turísticas. Hoje, porém, uma excursão para Kronstadt pode ser adquirida sem maiores problemas durante um passeio por Nevsky Prospekt, também conhecido pelo nome de perspectiva Nevsky. Também existe a possibilidade de uma visita sem guia. Antes de viajar, no entanto, vamos destacar alguns pontos e fatos importantes, para não perder nada durante a visita por essa cidade de tantas glórias navais.

Canal em Kronstadt, cidade-fortaleza, joia da Rússia

Início do século XVIII. Estava em curso a Grande Guerra do Norte, pela retomada das terras russas na costa do Mar Báltico. Em Arkhangelsk, Pedro I construiu uma flotilha de 13 navios, que foram transportados por 254 quilômetros de florestas e pântanos, do Mar Branco até o Lago Onega, localizado na bacia do Mar Báltico. Em 11 de novembro de 1702 as tropas russas tomam o castelo de Nöteborg (antiga fortificação russa – Oreshek – localizada na nascente do Rio Neva, no Lago Ladoga).

Em 1 de maio de 1703, as tropas russas, comandadas pelo general-marechal-de-campo, conde Boris Petrovich Sheremetiev, tomam outro castelo sueco - Nyenskans, localizado perto da confluência do Neva, no local do afluente do Rio Okhta (hoje um dos bairros de São Petersburgo).

A última jogada decisiva do exército russo na libertação do Rio Neva e do Golfo da Finlândia aconteceu em 07 de maio de 1703, quando os soldados dos regimentos Preobrazhenskiy e Semenovskiy, em 30 botes, tomaram de abordagem naves suecas. Em homenagem a esta batalha foram cunhadas medalhas militares russas com inscrição – “O impossível é possível”.

Em 27 de maio, na ilha Zayachiy, na confluência do Rio Neva, foi fundada a Fortaleza de São Pedro e São Paulo. Era o Mar Báltico.

Foi iniciada a construção de São Petersburgo, sob constante risco de ataque de uma esquadra sueca. Pedro I esperou que a esquadra do oponente de retirasse do Golfo da Finlândia durante o inverno (época imprópria para navegação no Mar Báltico) e realizou um estudo para medir as profundidades do mar e encontrar uma ilha adequada para construção de um forte avançado para defender a confluência do Rio Neva dos ataques vindos do Báltico. O Golfo da Finlândia não é fundo e o seu principal canal navegável tangenciava a ilha de Kotlin. O objetivo de Pedro era construir durante o inverno o primeiro forte no Golfo da Finlândia e iniciar o treinamento de quadros qualificados para formação da futura marinha russa.

A primeira fortificação, entretanto, não foi erguida na ilha de Kotlin, mas ao lado dela, sobre uma barra. O forte – um polígono com dez lados, de 29 metros de largura e 37 metros de altura – recebeu o nome de Kronslot – o que significa, em sueco, Castelo Coroa. O forte era equipado com 14 canhões e tornou impossível uma passagem desimpedida até a foz do rio Neva.

Em junho de 1704 o forte de Kronslot repeliu um ataque da esquadra sueca, composta por um navio de linha, cinco fragatas e oito naves menores, recebendo cobertura de um corpo da infantaria de oito mil soldados. Após essa primeira vitória, teve início a construção de fortificações na ilha de Kotlin – a Aleksandrovskaya, a Tolbukhina e outras. A segunda tentativa sueca de adentrar o rio Neva acima com uma esquadra de 22 naves aconteceu no ano seguinte, em 1705, e também não teve sucesso.

Vale mencionar que o desenho do forte na ilha de Kotlin foi feito pelo Pedro I, que contou com a ajuda de um jovem engenheiro que acabara de retornar dos seus estudos na França, Abrão Petrovich Hannibal. Kronstadt crescia, os fortes crescendo em sua volta como cascos. O Golfo da Finlândia ficou barrado, com todos os canais navegáveis a alcance das balas de canhão, impossibilitando uma navegação desautorizada. Por ironia, a Fortaleza de São Pedro e São Paulo, em São Petersburgo, ficou na história da Rússia como um castelo que nunca precisou repelir um ataque. Essa função sempre acabava sendo desempenhada por Kronstadt.

Ao analisar o mapa de Kronstadt e das sua fortificações no Golfo da Finlândia, fica evidente que a cidade sempre foi construída e cresceu obedecendo a um único objetivo – a defesa. É a cidade onde os navios da marinha russa eram construídos. Um posto avançado da Rússia. Ao estudar a história de Kronstadt, estudamos a história da marinha russa. Aqui foram instaladas a s primeiras docas secas do país, com capacidade de realizar manutenção de 10 naves ao mesmo tempo.

Em 1707, foi instalado um marégrafo em Kronstadt e o seu marco zero se tornou o marco zero de toda a rede geodésica da Rússia. Em 1719, na barra da grande enseada que leva aos portos de Kronstadt e de São Petersburgo, foi erguido o Farol Tolbukhin. As primeiras expedições russas de circum-navegação terrestre, comandadas pelos capitães Ivan Krusenstern e Yuri Lisyansky, partiram de Kronstadt, assim como a de Fyodor Litke, de Fabian Bellingshausen e de Mikhail Lazarev, em suas explorações da Antártida. Em 1855, no Golfo da Finlândia, as minas navais foram utilizadas com sucesso pela primeira vez (durante um ataque frustrado das esquadras inglesa e francesa às fortificações de Kronstadt – N.d.t.). Em 1866, o mesmo local serviu de teste para primeiro submarino russo de grande porte. Foi também ali que se testou o primeiro torpedo russo do inventor Ivan Aleksandrovskiy (considerado pelos russos o inventor do torpedo – N.d.t.). Os primeiros observatórios russos – o astronômico e o hidrográfico – foram construídos em Kronstadt. Ali era a sede da Escola de Oficiais Especialistas em Minas, uma das melhores instituições em eletrotécnicas da Rússia. Nessa escola o engenheiro Aleksander Popov, em 1895, realizou pela primeira vez no mundo testes de radiocomunicação.

Não podemos deixar de mencionar alguns aspectos da vida espiritual da Kronstadt anterior à revolução. Um dos expoentes da vida religiosa da cidade era o deão da Catedral de Andrei, João de Kronstadt ou Ivan Serguiev, pertencente à uma linhagem de padres que remonta aos longínquos 1450. Em 1932 a catedral foi desmontada e, em 1955, uma estátua de Lenin foi colocada no seu lugar. Em 2011 o monumento do líder comunista foi transferido de lugar e uma associação ortodoxa, União de Andrei, instalou uma peça de granito com a seguinte inscrição: “Neste lugar ficava a catedral de Andrei Protocletos (Santo André na tradição católica), onde desenvolveu sua obra durante 53 anos o grande missionário da Terra Russa, São João de Kronstadt. A catedral foi consagrada em 1817 e destruída em 1932. Que essa pedra clame para os nossos corações pela ressurreição da santidade profanada”. Mais de sete mil pessoas sempre se juntavam para ouvir cada um dos sermões de João de Kronstadt na catedral de Andrei, ou seja, um quarto de toda a população adulta da cidade, incluindo os militares. Padre João fundou uma casa de trabalhos voluntários, uma escola para pobres, um asilo feminino, um orfanato, construiu templos com as doações de fieis e ainda praticou algumas curas milagrosas.

Depois veio a revolução. Em 1918 muitos oficiais da marinha foram fuzilados sem processo nem tribunal. Em 1921 se espalhou pela Rússia a notícia de um motim “branco” em Kronstadt, provocado pelo serviço secreto francês. Na realidade era um motim de marinheiros, que exigiam o cumprimento das promessas dos bolcheviques, feitas ainda em 1917: liberdade de expressão para trabalhadores e camponeses, libertação dos presos políticos e eleições livres para os Sovietes. O descontentamento bastou para, em 17 dias, o governo reprimir violentamente os protestos. Mais de dois mil soldados e marinheiros da guarnição de Kronsttadt foram fuzilados, mais de seis mil foram encaminhados para prisões e campos de trabalho forçado e outros oito mil marinheiros cruzaram o mar congelado a pé e se refugiaram na Finlândia.

Durante a Segunda Guerra Mundial a artilharia dos navios da guarnição de Kronsttadt atacava a artilharia alemã, que participava do cerco de Leningrado. Submarinos cruzavam campos minados e se esquivavam das redes de contenção para atacar os transportes alemães. O mais famoso capitão soviético de submarinos durante a Grande Guerra Patriótica, Aleksander Marinesko, comandante do submarino S-13, sempre partia para as águas do Báltico da enseada de Kronstadt.

Vamos destacar alguns pontos a serem visitados na Kronsttadt de hoje, quando saltamos do ônibus na Praça Yakornaya (ou Praça da Âncora). Em primeiro lugar, temos a grandiosa catedral Naval de São Nicolau, fundada em 1903, segundo projeto de Vaciliy Kosyakov, e consagrada em 1913. Atualmente a catedral passa por uma restauração e deverá ser reaberta em 2013, para as comemorações dos 100 anos de consagração.

Após visitar o monumento ao grande almirante e comandante do porte de Kronstadt, Stepan Makarov, recomenda-se seguir a Rua Komunisticheskaya (Rua do Comunismo – N.d.t.) para um passeio no Parque de Pedro, com o monumento de Pedro o Grande, e na passarela a beira mar, também denominada em homenagem ao czar fundador da cidade.

Em seguida, recomenda-se caminhar pela rua Makarovskaya, do Mareógrafo de Kronstadt e da Lagoa Italiana, com palácio Italiano do príncipe Aleksander Menshikov, construído em 1724. É o maior palácio do início do século XVIII da Rússia.

Assim chegamos na principal avenida da cidade – rua Lenin. Do lado direito da rua o jardim de Andrei merece uma visita – é o antigo local da Catedral de Andrei, onde pregava o Santo João de Kronstadt. Seguindo adiante estão os prédios do Gostiniy Dvor (complexos comerciais comuns em cidades russas, com local para exposição de produtos, depósitos e hotéis para comerciantes de diversas regiões), cujas colunas lembram a feira Yamskaya de São Petersburgo. A rua Lenin segue tangenciando a catedral de Vladimir até a rua Vostaniya (rua do Levante), a mais comprida da cidade, que segue ao longo das fortificações de todo o lado norte da ilha. No final dessa rua encontra-se uma fantástica capela do “Salvador sobre as águas”. Ela foi construída em homenagem aos 200 anos da fundação da cidade com o projeto do autor da catedral Naval, Vacilliy Kosyakov, em substituição da antiga capela, que ficava no mesmo lugar, mas era feita de madeira.

Creio que já são argumentos suficientes para marcar uma visita e conferir com os próprios olhos essa cidade fortaleza.

De São Petersburgo é possível chegar à Kronstadt no ônibus ?101 que parte da estação de metrô “Staraya Derenvia”, por 21 rublos (70 centavos de dólar); no ônibus ?405 que parte da estação de metrô Chernaya Rechka, por 60 rublos (2 dólares); ou no ônibus 407 que parte da estação de metrô Prospekt Prosveshenya, pelos mesmos 60 rublos. Durante o verão os turistas podem chegar até a ilha em Hidrofólios, que partem da Enseada dos Palácios.

Se a excursão pela cidade é adquirida diretamente em Kronstadt o visitante pode ter a sorte de ser acompanhado por um dos funcionários dos museus da cidade. O custo das excursões pela cidade, que geralmente são feiras em ônibus e a pé, é de 200 rublos (7 dólares).

Além disso, em Kronstadt existem excursões marítimas pelos fortes de Kronslot, Pedro I, Pavel I, Imperador Aleksander I e Konstantin. Se a excursão for somente externa, sem desembarque nas fortificações, a duração é de 45 a 60 minutos com custo de 300 rublos (10 dólares). No caso de excursões com desembarque nos fortes, a duração é de aproximadamente duas horas e o custo sobe para 500 rublos (17 dólares).

As atrações gastronômicas da cidade são satisfatórias. Na rua Lenin funcionam muitos cafés como o Imperial, o Fort, Strelets, Skazka, Noch e Luza. Pela própria experiência posso recomendar o café do Gostiny Dvor, com comida caseira e barata.

Se você decidir passar mais de um dia em Kronstadt, existem os hotéis da Marinha Russa na rua Komunisticheskaya e na avenida Kronstadt.

[Este artigo foi publicado originalmente no portal da agência RIA Novosti]

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