Diário da Rússia

Análises Econômicas

Situação e perspectivas da cooperação entre a Rússia e os países asiáticos – As relações com a China

As relações russas com a região Asiática-Pacífico, em geral, e a Ásia Oriental, em particular

Análise feita pelos especialistas Anna Glazova, A. Karaivanov, Irina Komissina, Vladimir Terekhov, Ilya Usov e Ivetta Frolova e publicada pela revista “Problemas da Estratégia Nacional”, do Instituto Russo de Estudos Estratégicos

A revista "Problemas da Estratégia Nacional", uma publicação bimestral do “Instituto Russo de Estudos Estratégicos”, tem como principal especialização destacar os aspectos mais importantes da política internacional que afetam os interesses nacionais da Rússia, classificando-os, para fins editoriais, como "Política Internacional", "Nova Eurásia" e "Defesa e Segurança".

Acompanhando os processos de desenvolvimento da cooperação bilateral da Rússia com nações de vários continentes, o Instituto Russo de Estudos Estratégicos destinou uma das edições da revista a analisar detalhadamente essas relações com os países da região Asiática-Pacífico, em geral, e da Ásia Oriental, em particular.

A seguir, publicamos um resumo da introdução geral e, depois, do capítulo dedicado à China, país que conquista uma posição geopolítica e econômica de grande importância não apenas para a Federação da Rússia, mas para todo o mundo, em particular para os outros países do grupo BRICS.

Situação e perspectivas da cooperação entre a Rússia e os países asiáticos

Nos últimos anos, tendo em vista a tendência da política mundial surgida após o fim da Guerra Fria, tem se constatado o crescimento da importância da região Asiática-Pacífico em geral e, em particular, da Ásia Oriental. O relatório do Conselho Nacional dos Estados Unidos – “Tendências Globais para 2025: Um Mundo em Transformação” –, publicado em dezembro de 2008, prevê “a continuação sem precedentes dos processos de fluxos financeiros e econômicos do Ocidente para o Oriente na História recente”. No documento, a Ásia Oriental é considerada um pretendente a um lugar entre os três “agrupadores” de mercados financeiros globais, junto com a América do Norte e a Europa. No entanto, o poderio econômico da Ásia Oriental se expande junto com a política mundial, seus problemas globais e suas questões recorrentes. Dentre esses pontos, os assuntos mais urgentes acabam sendo referentes à guerra e à paz, principalmente no campo do agravamento da situação político-militar ao redor da península da Coreia, bem como nos mares do Sul e Oriental da China.

O complexo quadro político que se descortina na Ásia Oriental se complica mais com a visível presença dos Estados Unidos. A China considera os Estados Unidos como uma “força extrarregional”, classificação da qual Washington discorda categoricamente. Em 2010, em diversas oportunidades – como o agravamento da situação na península Coreana – os Estados Unidos em declarações oficiais e ações práticas procuraram reafirmar suas pretensões em ter o status de “grande potência do oceano Pacífico”. A briga entre EUA e China pela influência na Ásia Oriental se tornou, hoje, claramente visível, por exemplo, no Vietnã, na península da Coreia e na Mongólia.

A Rússia, com dois terços do seu território localizados na Ásia Oriental, tem interesse em aumentar sua influência nos processos de “agrupamento” da região, mesmo porque os problemas do desenvolvimento da Sibéria e do Extremo Oriente russo, que estão se tornando cada vez mais atuais, não podem ser resolvidos sem levar em conta o âmbito da política externa, produzido por esses processos.

A República Popular da China

Durante a última década, o reforço do papel e da importância da China no mundo contemporâneo se tornou um fenômeno muito significativo. A transformação do país numa das maiores potências econômicas, sua atuação ativa na política internacional e seu potencial militar crescente, tudo isso influencia os processos econômicos e políticos regionais e de nível internacional.

A relação entre a Rússia e a China nos dias atuais se desenvolve de forma constante e dinâmica. As relações bilaterais entre os dois países têm uma base jurídica sólida e uma estrutura organizacional ramificada em todos os níveis. A China vê a Rússia como uma confiável “retaguarda estratégica”, imprescindível para a resolução dos seus problemas internos e internacionais, assim como fonte estável de fornecimento de recursos energéticos e mercado para sua produção industrial. Para a Rússia, a parceria estratégica com a China é um dos fatores fundamentais para assegurar a sua própria segurança. A China é o maior vizinho da Rússia e seu maior parceiro no Extremo Oriente. Já o desenvolvimento econômico dessa região da Rússia nos últimos 20 anos é estritamente ligado à economia chinesa, e nas próximas décadas irá continuar a ser, dependendo da profundidade da interação comercial e econômica entre os dois países.

A cooperação econômica e comercial entre a Rússia e a China nos últimos anos foi obstruída por diversos problemas. Sem notar que o volume de negócios do comércio bilateral voltou para o nível pré-crise (em 2010 o volume foi de 55,45 bilhões de dólares, ou seja, cresceu 43,1% em relação ao ano de 2009), a parcela da Rússia no volume total de negócios com a China continua não ultrapassando 2%. A Rússia não está entre os dez maiores parceiros comerciais da China, e se afasta significativamente, de acordo com os dados dos outros governos. Para comparar, o volume de negócios da China com a União Europeia em 2010 chegou a 479,71 bilhões de dólares; com os Estados Unidos foi de 385,34 bilhões; e de 297,77 bilhões de dólares com o Japão. O comércio bilateral sino-russo não é suficientemente diversificado, o que se relaciona primariamente com a baixa porção de produção de máquinas técnicas nas exportações russas para a China. Dentre os problemas mais sérios estão também o não desenvolvimento da infraestrutura de fronteira, baixa atividade de investimento, fraco apoio informacional dos exportadores e importadores russos, e dificuldades que surgem para empresários russos que desejam entrar no mercado chinês.

Nos últimos dez anos, ficaram problemas bastante incômodos na relação do comércio bilateral, ligados ao comércio “não organizado” (importação “cinza”, insuficiência de certificação correta dos bens importados, baixa avaliação do valor aduaneiro, contrabando). Quanto a isso, existem, por exemplo, diferenças nas estatísticas aduaneiras entre a Rússia e a China, que dizem respeito não somente à importação de mercadorias chinesas pela Rússia, mas também da exportação russa para a China. Comerciantes chineses frequentemente dão preferência ao uso de canais “cinzas” na passagem de mercadorias pelo controle aduaneiro, pois, no entendimento deles, é um processo mais fácil, prático, rápido e mais barato. Em relação aos questionáveis serviços das empresas de transportes e o não recebimento dos respectivos documentos comprobatórios, eles acabam fora do âmbito legal, o que frequentemente acarreta mercadoria confiscada. Isso gera um sério dano à imagem da produção chinesa em geral. Assim, os grandes exportadores chineses não têm acesso ao mercado russo, bem como as mercadorias oferecidas a eles não podem competir com a produção doméstica surgida na Rússia por esquema “cinza”. Para a resolução desse problema, é imprescindível aumentar o controle sobre a qualidade da mercadoria chinesa fornecida à Rússia, reforçar a interação e fortalecer a coordenação da ação aduaneira e outros serviços entre os dois países.

Nos dias atuais, para a ampliação da cooperação comercial e econômica entre a Rússia e a China e o desenvolvimento das regiões russas da Sibéria e do Extremo Oriente russo, é imprescindível implementar consistentemente o Programa de Cooperação das Regiões Russas do Extremo Oriente e Sibéria, e a região norte-oriental da China no período 2009-2018, acordo aprovado em setembro de 2009 pelos líderes dos governos. E, da mesma forma, estabelecer um controle da concretização de cada ponto desse documento.

Para a melhora das condições de comércio fronteiriço é necessário resolver, finalmente, a questão da construção da ponte sobre o rio Amur, melhorar o tráfego aéreo e rodoviário entre os dois países, modernizar a infraestrutura de transporte, estabelecer pontos de acesso adicionais e aumentar o seu efetivo de trabalho, realizar a popularização do turismo e, da mesma forma, melhorar a base legislativa da cooperação bilateral como um todo.

A cooperação russo-chinesa tem um enorme potencial no campo energético. A cooperação no campo de petróleo e gás é mutuamente benéfica e de longo prazo, já que permite aos dois países resolver problemas urgentes: pelo lado da China, assegurar a segurança dos canais de fornecimento de hidrocarbonetos, e, do lado russo, a diversificação da exportação de seus recursos. Uma das diretrizes prioritárias da cooperação entre os nossos países continua a ser a energia nuclear usada para produzir energia elétrica. Para a Rússia, esse segmento do mercado chinês é uma perspectiva especial, já que nos próximos 20 a 30 anos o crescimento da taxa anual de consumo energético na China pode chegar a 4% a 12%. Isso sem contar a criação ativa de novas instalações energéticas na China, que irão superaras possibilidades de seu sistema energético, o que dá uma chance específica à Rússia de se firmar no mercado de energia do país.

Dada a decisão das autoridades chinesas em 2010 de aumentar a produção de energia elétrica nas suas próprias centrais nucleares e direcionar a diversificação de fontes de recebimento de tecnologia atômica, a Rússia pode assegurar entre 20% e 25% do mercado de energia nuclear da China. Isso permite à Rússia considerar um volume de negócios no valor de 12 a 15 bilhões de dólares até o ano de 2020.

A perspectiva é de que a cooperação também aconteça na esfera da construção de ferrovias de alta velocidade, produção de materiais de construção, equipamento e técnica. Nos últimos anos, o volume de serviços e trabalhos de construção na China cresceu significativamente, e no quesito “custo-benefício” o país assume uma posição de liderança no mundo. Isso permite à Rússia utilizar o potencial do complexo industrial de construção da China para o desenvolvimento da infraestrutura nacional.

A interação entre os dois países no âmbito da tecnologia avançada tem grande importância para a economia russa. A cooperação nesta área foi discutida em 2010 durante as visitas à Rússia do vice-presidente da China, Xi Jinping, e do primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao. A parte chinesa se mostrou disposta a apoiar os esforços da Rússia na modernização da economia e participar da construção do Centro de Inovação de Skolkovo.

Existem também grandes possibilidades na cooperação de investimentos, apesar de que atualmente o grau de penetrabilidade mútua é muito baixo. Pelo fato de as importantes decisões quanto ao fortalecimento da posição chinesa na região Asiática-Pacífico terem apenas um fator econômico, a cooperação econômica e comercial ativa com a China e o aumento da atratividade de investimentos da economia russa para os negócios da China podem servir como possibilidades adicionais para a ampliação da presença da Rússia nos mercados regionais da região Asiática-Pacífico.

Não dá para deixar de notar a série de momentos negativamente influentes no desenvolvimento das relações russo-chinesas. A esses deve ser atribuída a existência de certo número de formadores de opinião acadêmicos e políticos da Rússia que atentam para a existência de uma “ameaça chinesa”, o que implica em um risco profundo para a cooperação entre a Rússia e a China. Tal posição repercute na China com grande preocupação. Especialistas chineses consideram que no futuro isso pode atrapalhar a resolução de algumas questões-chaves da interação bilateral. Eles também entendem que a Rússia ocasionalmente acaba tomando passos arriscados na sua política interna, que influi negativamente na relação entre os dois países. A questão, normalmente, gira em torno da proibição de estrangeiros trabalharem com comércio de varejo na Rússia (abril de 2007) e o fechamento do Mercado de Cherkizovsky (junho de 2009).

As mudanças adversas da relação do público chinês em relação à Rússia se refletem nos resultados de uma pesquisa realizada em 2009 pelo Instituto Chinês de Pesquisas Sociais (Social SurveyInstituteof China). Se em 2006, após o ano da Rússia na China, em uma pesquisa similar, 75% dos pesquisados avaliaram a ligação com a Rússia como “boa” e “muito boa”, na pesquisa de 2009 essa avaliação foi inferior a 25%. Na pesquisa sobre como o governo da China deveria agir em relação à Rússia, em 2009, 60,6% dos pesquisados responderam que a China não deve dar muito foco à relação com a Rússia. Aparentemente, essa tendência foi o resultado da imprudência de ações da parte russa, que ao realizar objetivos direcionados para a modernização e um desenvolvimento vigoroso (em particular, na esfera do comércio interno), não considerou a influência das suas ações no desenvolvimento das relações russo-chinesas.

Um dos mais importantes deveres para os próximos anos diz respeito à compreensão mútua entre os povos dos dois países, ou seja, uma interação na esfera social e humanitária. A passagem do Ano da Rússia na China (2006), do Ano da China na Rússia (2007), do Ano da Língua Russa na China (2009) e do Ano da Língua Chinesa na Rússia (2010) garantiu o crescimento da confiança entre os dois países. Esses projetos não têm paralelos na história das relações bilaterais, e a continuação dessa tradição irá melhorar a imagem da Rússia na China.

A total ausência de divergências políticas e de disputas, uma economia complementar, interesses geopolíticos comuns, a amizade e a cooperação correspondem completamente aos interesses da Rússia e da China, reforçando sua autoridade e a posição internacional. A conjunção dos interesses nacionais dos dois governos pode ser um dos principais fatores do desenvolvimento econômico da Rússia, principalmente nas suas regiões orientais. A partir desse ponto de vista, a manutenção e o reforço da política estratégica de parceria e interação com a República Popular da China devem se manter como uma das principais metas da política externa da Rússia.

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