Dmitry Babich
A polêmica do fornecimento de armas à Síria
Por que os turcos não mostraram a carga existente a bordo?
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A história da aterrissagem à força na Turquia de um avião sírio com 17 cidadãos russos a bordo foi entusiasticamente seguida por Washington. A representante oficial do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Victoria Nuland, disse que seu país apoia totalmente a decisão do governo da Turquia de deter o avião. E ela até achou necessário acrescentar que “quaisquer fornecimentos de equipamento militar ao regime sírio neste momento causam preocupação”.
Surge a questão: Por quê? A Síria continua a ser um país soberano, membro da ONU, tem o direito de assinar contratos militares com os outros países soberanos. Não obstante, a Senhora Nuland agarrou-se às declarações bastante nebulosas dos funcionários turcos, que teriam alegadamente encontrado a bordo equipamento militar. Victoria Nuland disse ainda que os Estados Unidos estavam aguardando uma resposta do lado turco, quando os turcos examinarem minuciosamente a carga apreendida.
Surge nova questão: Examinar o quê? Por que a parte turca, no dia seguinte à detenção do avião, não mostrou a carga existente a bordo, que, na sua versão, teria caráter militar?
A agência de notícias RIA Novosti já citou um representante dos serviços secretos russos, que manifestou dúvidas quanto ao fato de o avião poder transportar armas de contrabando. Disse o agente: “Se a bordo do avião civil sírio seguisse uma carga de fato militar, a parte turca já a teria mostrado aos jornalistas. Seria mostrada de manhã à noite por todos os canais de TV turcos. Se tal não acontece, então o problema dos alegados fornecimentos de armamentos russos à Síria por meio de um avião civil não passa de desinformação.”
Segundo o representante russo, a bordo da aeronave poderiam seguir equipamentos eletrônicos, tipo GPS, que são utilizados para vários fins, incluindo militares. “Hoje em dia” – diz ele – “qualquer equipamento eletrônico pode ter dupla utilização.”
Surge uma situação semelhante à da América Latina, em que os aliados dos Estados Unidos recebem todas as armas que querem e instalam bases americanas nos seus territórios, ao passo que os governos por eles considerados inconvenientes, como o cubano, são alvos de sanções por decisão do Departamento de Estado.
Aliás, a declaração do Departamento de Estado ainda não é a opinião dos Estados Unidos. Quer nos Estados Unidos, quer na Turquia, a opinião pública começa pouco a pouco a resistir à propaganda militar, voltada abertamente para justificar a intervenção na Síria das tropas turcas ou de forças de outros países da OTAN.
“Quem fala de contrabando entre a Síria e a Rússia?”, pergunta o leitor David no fórum da versão eletrônica do “New York Times”, onde se discutiam as notícias sobre o avião sírio. E ele continua: “A Rússia não precisa utilizar meios ilegais de fornecimento de armamentos... Não há nenhum embargo da ONU ao fornecimento de armas à Síria. Pelo contrário, a Turquia e os outros membros da coligação anti-Assad é que violam o direito internacional. De que forma? Pelo fato de apoiarem financeiramente e diplomaticamente, além de terem ainda armado, um grupo de pessoas que leva a cabo uma operação perfeitamente ilegal de mudança de regime num país-membro da Organização das Nações Unidas.”
Interessante o fato de as autoridades turcas não esconderem os seus próprios fornecimentos de armas à Síria, que incluíram, declaradamente, 20 sistemas de mísseis móveis. O que acontecerá se estes mísseis forem parar nas mãos dos combatentes da Al-Qaeda, que, segundo dados de diversos veículos da mídia, incluindo o “New York Times”, estão realmente presentes entre os opositores ao governo sírio? Qualquer desses sistemas em mãos de terroristas é uma terrível ameaça à aviação civil.
O jornal francês “Le Figaro”, na semana passada, relatou o esquema pelo qual armas provenientes da Turquia chegam aos opositores sírios. De início, para apoio aos rebeldes sírios, a Turquia recebe dinheiro das monarquias do golfo Pérsico, principalmente o Qatar e a Arábia Saudita. Com esse dinheiro são adquiridas armas no mercado-negro. Depois, essas armas são enviadas, naturalmente de forma ilegal, aos rebeldes islamitas na Síria.
O jornalista do “Le Figaro”, Georges Malbrunot, vencedor de vários prêmios de imprensa e que se tornou conhecido por ter sido refém dos islamitas durante muito tempo no Iraque, reproduz a opinião de cidadãos turcos de que Ancara tenta transformar a Síria num novo Afeganistão. Malbrunot escreve: “A atual situação permite à Turquia como que supervisionar o fluxo de armamentos que entra na Síria, incluindo não só metralhadoras mas também mísseis antitanque, bem como mísseis terra-ar, capazes de abater aviões.”
Agora a Turquia, com o apoio dos Estados Unidos, quer “ensinar” a Rússia a não enviar armas para a Síria, como se ela própria não o praticasse. Faz lembrar a expressão bíblica: “Médico, cura-te a ti próprio”.
Aliás, os últimos acontecimentos no Oriente Médio mostram que a aspiração da Turquia de ser a única força decisiva e com peso no drama sírio é tão impossível como é impossível hoje o monopólio dos armamentos ocidentais nos mercados do Oriente Médio.
O novo primeiro-ministro iraquiano, Nuri al-Maliki, durante a sua visita a Moscou na semana passada, não só assinou com a Rússia contratos de fornecimento de helicópteros militares e sistemas antiaéreos no valor de 4,2 bilhões de dólares, como também condenou uma possível agressão da Turquia à Síria. Em entrevista à agência de notícias Interfax, Al-Malik disse: “Não devemos desencadear uma guerra por causa dos incidentes na fronteira, e chamar toda uma organização internacional como a OTAN a defender a Turquia. Ninguém ameaça a Turquia.” E ele acrescentou que a Turquia tem um comportamento extremamente arrogante quando “assume a responsabilidade pela resolução dos problemas da Síria em substituição ao povo sírio”. Nuri al-Malik diz que “a comunidade mundial deverá intervir e fazer parar a Turquia”.
Al-Maliki é considerado, segundo a opinião geral, um líder incontestável no Iraque, país onde o governo é dominado por muçulmanos xiitas. A Al-Qaeda, de orientação sunita, embora continue a levar a cabo atentados terroristas no Iraque e na vizinha Síria, está fora da lei no Iraque, sendo as suas posições neste país muito mais fracas do que entre os rebeldes sírios apoiados pelo Ocidente.