Dmitry Babich
O papel do Brasil na vitória sobre o nazismo
Livro de Sergei Brilev, recém-lançado na Rússia, discute os motivos que fizeram países bem diversos entrar na Segunda Guerra Mundial
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No aniversário da vitória dos Exércitos Aliados sobre a Alemanha de Hitler, em 1945, está sendo lançado este ano na Rússia um livro extraordinário, que relata o papel do Brasil na derrota imposta ao nazismo. O autor do livro, Sergei Brilev, é um famoso apresentador de um programa de televisão sobre política, exibido semanalmente no principal canal estatal da TV russa. Nascido em Cuba e criado no Uruguai, filho de um diplomata soviético, Brilev incorporou a sua paixão pela América Latina à sua profissão de jornalista, sendo igualmente autor de outros dois livros sobre essa região. E a história de como e por que o Brasil declarou, no dia 22 de agosto de 1942, guerra aos países do Eixo fascista, formado por Alemanha, Japão e Itália, é para muitos russos uma verdadeira revelação.
E por que isso? Para começar, porque muitos russos demonstram um inadmissível desrespeito frente ao papel na guerra mesmo dos principais aliados da União Soviética, como Estados Unidos e Grã-Bretanha. E os motivos desse desrespeito são, infelizmente, conhecidos.
É preciso destacar que os frequentes “congelamentos” nas relações russo-americanas e russo-britânicas não são o melhor pano de fundo para recordações sentimentais sobre a luta conjunta dessas nações. Além disso, os próprios americanos e britânicos, assim como outras nações do Ocidente, frequentemente esquecem o papel que a União Soviética desempenhou na luta contra Hitler, e os seus 27 milhões de mortos.
Nesse sentido, a geopolítica estraga muita coisa. Mas, afinal, a Segunda Guerra Mundial é justamente fascinante por não ter se tratado tanto de geopolítica quanto de sobrevivência de povos inteiros. E é nessa luta pela sobrevivência digna que a Rússia de outrora teve seus aliados.
Não se tratava apenas, porém, de nações ameaçadas de extinção em caso de vitória de Hitler, como poloneses, sérvios, ciganos e judeus. Povos, a princípio, distantes dos problemas europeus, como brasileiros, neozelandeses, chineses, indianos e africanos, também vieram para ajudar na luta contra o nazismo. Alguns desses países queriam ganhar, assim, a simpatia dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, um motivo que, segundo escreve Brilev, também influenciou a decisão do Brasil de entrar na guerra.
Mas existia também uma aversão geral ao racismo nazista, encarnada na figura de Adolf Hitler. Como resultado disso, todos os países do atual bloco BRICS lutaram contra os países do Eixo fascista – alguns fazendo parte do Império Britânico, e outros por conta própria, como, por exemplo, o Brasil.
No livro intitulado “Aliados Esquecidos” Brilev coloca diante de si um objetivo difícil – mostrar os motivos que fizeram países muito diferentes, como Brasil, Cuba, Suazilândia e Nova Zelândia, entrar na guerra.
A princípio, os motivos do Brasil eram simples: submarinos alemães e italianos haviam afundado, entre 1941 e 1942, 36 navios mercantes brasileiros, provocando a morte de 2.770 pessoas. Mas, além da vontade de defender a navegação, os brasileiros eram igualmente levados pela indignação humana frente ao racismo de Hitler – um sentimento totalmente compreensível para um país tão multiétnico como o Brasil.
A opinião de Sergei Brilev sobre isso é a seguinte:
“Eu diria que o fator comum, que realmente unia quase todos na época, era a ojeriza às teorias raciais dos nazistas. Apesar de que, para ser justo, também seja preciso destacar que naquele momento nem tudo corria bem em relação às questões raciais nos próprios Império Britânico e Estados Unidos."
Infelizmente, o papel dos aliados de pele escura é pouco lembrado na Rússia. Assim, a participação na guerra contra o Eixo ítalo-germânico, da parte dos etíopes, comandados pelo seu lendário Imperador Haile Selassie, é também muito injustamente esquecida. E isso porque o imperador etíope foi o primeiro a derrotar os fascistas, retomando a capital da Etiópia após ter expulsado de lá os italianos, ainda em 1941.
Vale lembrar também que até o final de 1941 os fascistas ainda pareciam invencíveis – eles não haviam sofrido nenhuma grande derrota nem na frente ocidental nem na oriental. Já em 1944 chegou a vez de os brasileiros de todas as cores ingressarem na luta: no total, 25 mil brasileiros participaram da guerra na Europa.
Em geral eles tinham por objetivo lutar contra os alemães na Itália, onde deveriam servir lado a lado com os americanos. A propaganda alemã debochou por muito tempo da presença de descendentes africanos nos exércitos americano e brasileiro. Mas no fim das contas mesmo Adolf Hitler teve que se calar: seus ‘super-homens’ brancos sofreram derrota na Itália justamente de pessoas que eles consideravam ‘sub-humanas’. Mesmo que, naquela época, o principal papel de ‘sub-humanos’ fosse dado pela propaganda nazista aos povos eslavos.”
E em seu livro Brilev lembra bem disso:
“A principal força motora de resistência à ocupação nazista era formada pelos povos declarados pelos próprios nazistas como incompletos. Eram esses os povos da Polônia, da extinta Iugoslávia e, é claro, da União Soviética. E, se falarmos da resistência em territórios ocupados, a resistência precisamente desses povos se mostra bastante compreensível. Afinal, eram essas as pessoas que os alemães haviam declarado racialmente incompletas, além de que dentre esses povos estavam igualmente presentes nacionalidades realmente odiadas pelos nazistas e suas teorias raciais, como judeus e ciganos.
Quanto à coalizão anti-Hitler, formada por Estados Unidos, Grã-Bretanha e União Soviética, esta teve outros motivos de destaque – os ideais de liberdade, com a óbvia não aceitação de teorias nazistas, e, é claro, mas novamente sem dúvida, os preceitos geopolíticos. No caso dos países tipo Nova Zelândia, o motivo principal foi a lealdade à Coroa britânica. Enquanto no caso de países como a Suazilândia – então um protetorado britânico –, a participação na guerra foi uma busca de identidade, um trampolim para levantar a questão da independência após o fim da guerra.”
Como podemos ver, não se lutou apenas pela própria vida ou pelo pão na mesa. Lutou-se pela dignidade. E hoje, quando muitos tentam resumir a dignidade aos direitos de voto, vale lembrar que muitos dos aliados de outrora da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos tinham tantos direitos de voto quanto a população stalinista da União Soviética daquela época.
Mas, afinal, a dignidade não se revela apenas nas eleições. Ela se revela no respeito à cultura nacional, no dia a dia e nos livros que os nossos filhos leem na escola. E foi essa liberdade que russos, brasileiros, americanos, ingleses, franceses, poloneses e muitas e muitas outras nações conseguiram defender em conjunto.