Diário da Rússia

Dmitry Babich

A guerra contra a Rússia

Multa de 50 bilhões de dólares contra a Rússia é também uma ameaça ao Brasil

Na semana passada foram tomadas duas decisões de uma vez de dois tribunais europeus declarando a Rússia culpada e condenada a pagar multas sem precedentes de 50 bilhões de dólares e de 1,86 bilhão de dólares por um mesmo ato, ou seja, uma pena de 10 anos atrás contra a empresa petroleira oligárquica Yukos. (Em 2003 o chefe da Yukos, Mikhail Khodorkovsky, foi preso, e a empresa se confrontou com multas judiciais devidas a anos de evasão fiscal.)

O perigo aqui não é somente o valor recorde com o qual o Tribunal Arbitral de Haia "condenou" a Rússia (50 bilhões de dólares é quase 3% do PIB anual da Rússia – tais punições não foram exigidas de ninguém mais antes). Trata-se de um precedente perigoso para o uso de tribunais na luta de concorrência com as economias crescentes do BRICS.

O funcionário do Instituto de Moscou de Globalização e Movimentos Sociais, Vassily Koltashov, considera que, após testar com a Rússia, a mesma tática pode ser aplicada a outros concorrentes do Ocidente do grupo BRICS – principalmente contra a China e o Brasil. Os concorrentes amadureceram, e os Estados Unidos e a União Europeia decidiram removê-los por todos os meios.

Um das questões mais desagradáveis dessa nova tecnologia judicial é o seu caráter explícito e descarado. É claro que isso aconteceu de forma “completamente acidental”, tanto que o Tribunal Arbitral de Haia considerou por mais de 10 anos a reivindicação de antigos acionistas da empresa Yukos contra o Estado Russo – e de repente decidiu impor à Rússia uma compensação de 50 bilhões de dólares.  

Poucas pessoas na Rússia acreditam que seja coincidência a decisão sobre o valor sem precedentes a ser pago pela Rússia ter sido declarado no dia seguinte à queda do Boeing da Malásia com passageiros holandeses a bordo. Acontece que não só os jornais de países ocidentais, através dos quais não poucos abrigam ilusões, mas o tribunal supostamente independente se juntou aos governos ocidentais em sua busca para punir a Rússia com sanções. Enquanto isso, o ex-ministro da Educação da França, Luc Ferry, disse que as sanções são inúteis porque elas não eliminam a causa real da guerra na Ucrânia.

Luc Ferry afirmou:

“Eu acho que as sanções e os julgamentos contra a Rússia são absurdos. São simplesmente sem sentido. Seu objetivo é humilhar a Rússia. Enquanto isso, a humilhação da Rússia não corresponde aos interesses nem dos Estados Unidos nem da Europa. Além do fato de que essas sanções atingirão tanto a Rússia quanto nós. Como europeu, sinto-me humilhado. Do meu ponto de vista, a União Europeia está seguindo totalmente a linha de Obama e dos Estados Unidos como um todo. Afinal de contas, por meio de sanções não encontramos uma solução. A guerra civil na Ucrânia é um problema principalmente de relações entre os cidadãos ucranianos. Na Ucrânia, há uma parte da população que fala russo e é adepta da russofilia. E o novo governo em Kiev a pressiona, daí a guerra. Assim, mesmo se não fosse Putin, o problema não iria desaparecer. Mas o Ocidente não entende. Assim, a política ocidental de sanções se baseia em um equívoco, é um absurdo.”

Se alguém poderia acreditar na objetividade dos tribunais europeus, no caráter acidental da série de resultados anti-russos, essa crença foi destruída pela decisão do Tribunal Europeu para os Direitos Humanos, em Estrasburgo. Dois dias após a decisão dos colegas holandeses, esse tribunal puniu a Rússia pelo mesmo “crime” (entre aspas). O Tribunal de Estrasburgo decidiu que os ex-acionistas da Yukos podem pegar mais 1,86 bilhão de dólares dos russos pela compensação da cobrança de impostos. Poderia ser pior: os próprios ex-acionistas da Yukos queriam receber 81 bilhões de dólares pelo tormento de sua emigração sem motivo justificado. Se levarmos em conta que entre os destinatários do dinheiro (ou seja, os antigos proprietários da Yukos) está listado o condenado à prisão perpétua na Rússia por "ordenar" vários assassinatos, Leonid Nevzlin, os russos é que poderiam pedir compensação por danos morais. Nevzlin não se explicou para os familiares das vítimas de seus assassinatos na corte russa, onde ele teve que ser julgado à revelia. Ele fugiu para Israel ainda em 2003, levou consigo milhões de dólares, do ponto de vista da justiça europeia, ganhos “honestamente” na Rússia. E agora ele quer cem vezes mais.  

É claro, é muito desagradável e até um pouco humilhante negociar o nosso próprio dinheiro com o assassino Nevzlin. Não nos esqueçamos de que o chefe de Nevzlin, Mikhail Khodorkovsky, comprou ativos importantes no final dos anos de 1990 por 410 milhões de dólares, ou seja, por um montante de mais de cem vezes menos do que exigem agora Nevzlin e seus companheiros. Provavelmente percebendo que seus “ex-assassinos” e “caixas-pretas” pegavam pelas bordas, o próprio Khodorkovsky se distanciou da ação no Tribunal de Haia, vendendo o direito de retirar da Rússia um valor adicional ao de Nevzlin e seu amigo Julius Dubov. Este mesmo Dubov também está correndo – na Rússia ele foi condenado pelo roubo de milhões de rublos. Mas o outro não se lamenta de nada e ergue a sua cabeça orgulhosamente entre os cidadãos dos países ocidentais, visto que por lá andam muitos assassinos e ladrões mais perigosos que ele.  

Está tudo escrito claramente. Pelo menos, nos livramos de ilusões. E aqui o “nós” não é somente a Rússia, mas o Brasil, a China, a África do Sul, e outros países soberanos. Eis a verdade: não há imprensa livre e nenhum tribunal independente no Ocidente. O que ocorre não é um julgamento, mas uma guerra. Não fomos nós que começamos, e o inimigo vai avançando. Mas, como sabemos, a sorte de guerra é inconstante. Ao desencadear guerras nos tribunais e nas telas, o agressor corre o risco de perder. 

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