Fyodor Lukyanov
Por que é tão soft o soft power da Rússia?
A Rússia planeja reviver práticas da era soviética que eram bastante eficazes. Mas será que elas podem ser aplicadas nos dias atuais?
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O soft power, ou poder brando, se tornou um foco recente da discussão sobre a política externa da Rússia. Observadores argumentam que Moscou, que ainda acredita no papel decisivo das armas e de outros elementos de poder mais tradicionais, está perdendo a guerra da informação e da imagem. As impressões estão se tornando um fator real de influência no nosso mundo interconectado. Mas o entendimento da Rússia sobre o soft power difere radicalmente do entendimento do Ocidente.
As autoridades russas estabeleceram três ambiciosas metas na área da política internacional. A primeira é promover a cultura, a língua e o sistema educacional da Rússia como sendo atrativos e competitivos. Um objetivo nobre, sem dúvidas.
A segunda é lutar contra a maneira negativa como a Rússia é representada pela imprensa estrangeira. Essa é uma meta antiga, mas atingi-la, a essa altura, requer fundamentalmente ferramentas novas e caras.
A terceira meta é criar um grupo de “amigos da Rússia” em todo o mundo. Fontes do governo dizem que o novo conceito russo de política exterior envolve o resgate da União de Sociedades de Amizade e até a realização de Festivais Internacionais da Juventude e de Estudantes.
Em outras palavras, a Rússia planeja reviver práticas da era soviética que eram bastante eficazes. Mas será que elas podem ser aplicadas nos dias atuais?
O modelo soviético era baseado na ideia do progresso social e da justiça, e eu não vou discutir o sucesso desse modelo, uma vez que isso é de importância secundária quando se trata da habilidade de projetar a imagem desejada. A União Soviética não apenas ofereceu um modelo social alternativo como também o promoveu fora da Rússia, desafiando oponentes ideológicos e apresentando uma imagem do país como um patrono potencialmente poderoso.
Além disso, a União Soviética não só prometeu ajuda. Ela era generosa com os países que aceitavam o seu patrocínio. A Rússia moderna, com a sua mentalidade de “lucro em primeiro lugar”, tornou-se mais pragmática nas relações com outros países e, como resultado, menos atraente como um parceiro.
Falta à Rússia uma fundação ideológica sobre a qual possa desenvolver uma concepção que apele para os outros países. Ela esgotou o modelo soviético e está buscando um reposicionamento, mas até agora só tem formulado ideias tradicionais baseadas em valores conservadores, que são, por definição, incapazes de estimular o progresso.
A julgar pelas recentes iniciativas, mesmo a procura por uma nova identidade russa está se voltando ainda mais para o passado, para o bem das tradições pré-soviéticas. A história da Rússia tem muitos capítulos gloriosos, que deveriam definitivamente ser usados como exemplo. Mas olhar para o passado pode ser uma maneira efetiva de levar o país para o futuro?
Além disso, no mundo de hoje, você não pode basear um festival internacional de jovens e estudantes numa mensagem conservadora e na reverência ao “passado de ouro”. Isso é desinteressante até para os países vizinhos, onde algumas pessoas ainda definham devido à vida tranquila da época da União Soviética. E isso é completamente inaceitável para os cidadãos engajados e voltados para o futuro.
A noção de justiça no conceito preliminar de política externa russa é ainda menos atrativa. Desde a dissolução do bloco soviético, a Rússia tem sido vista como um país que vive dos seus recursos energéticos, mas não consegue distribuir as receitas do petróleo e do gás de modo a beneficiar a maior parte da sua população. É assim que a maioria dos russos vê o seu próprio país, e será muito difícil para as autoridades nacionais projetar uma imagem diferente para a comunidade internacional.
O desejo de recriar esses festivais da era soviética pode também ser explicado pelo seu slogan: “Pela solidariedade antiimperialista, pela paz e pela amizade”. A “solidariedade antiimperialista” — o que quer dizer resistência ao Ocidente e, em particular, à dominação americana — não contradiz a atual política de Moscou.
Entretanto, na União Soviética, isso era mais do que um mero slogan, era a política real usada para recrutar outros países.
A Rússia goza de certo grau de prestígio entre os países do antigo terceiro mundo. As pessoas desses lugares ainda a veem como um contrapeso ao monopólio político e cultural do Ocidente, se não, como uma alternativa real. Mas essa visão está minguando por várias razões.
Primeiro, a Rússia não apresenta um desafio real ao Ocidente: ela rejeita obstinadamente quaisquer novos modelos e fórmulas, e protege seus próprios interesses e posições em detrimento da liderança.
Segundo, os slogans soviéticos anticoloniais eram populares na segunda metade do século 20, quando os impérios desmoronavam ao redor do mundo, mas a Rússia está constantemente ocupada tentando resolver o seu próprio legado pós-imperial. A atual antipatia pelo desenvolvimento do mundo pelas regras ocidentais, exemplificada na Primavera Árabe, não se traduz em maior afinidade por Moscou. A Rússia, que continua a transpirar o seu tradicional pathos face às mudanças dramáticas na região, ainda é vista como um país reacionário, e não como um progressista. Isso tem algo a ver com o assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, que a Rússia herdou da União Soviética, o que se tornou um fato dessagradável para a maioria dos países. Quanto aos países e governos mais tradicionais — monarquias do Golfo Pérsico e extrema direita europeia —, é improvável que eles sintam qualquer afinidade pela Rússia, embora por razões diferentes.
Aproximadamente, todas as discussões sobre o soft power da Rússia levam à conclusão de que, se um país deseja ganhar influência no mundo, ele deve ter um modelo atraente para oferecer aos outros. Essa é a única forma de projetar uma imagem positiva e causar um impacto positivo. A Rússia está criando uma nova identidade, o que é um processo difícil e doloroso sem um trajeto claro ou um ponto final. As atuais tendências conservadoras não representam o destino final, mas apenas o primeiro passo em uma longa jornada. E, até a nação russa definir as suas metas e diretrizes por conta própria, será impossível oferecer qualquer coisa atraente aos outros países. Portanto, o soft power, ou poder brando, será, na melhor das hipóteses, limitado a um conjunto de medidas técnicas — não totalmente inúteis, mas, em última análise, ineficazes.