Diário da Rússia

Fyodor Lukyanov

Hugo Chávez, um homem do seu tempo

Figura extravagante e às vezes até mesmo grotesca, Chávez inspirou muitas pessoas na América Latina e através delas influenciou a política mundial

Como quase qualquer outro líder proeminente, Hugo Chávez polarizou a sociedade, e as avaliações de seu legado político diferem drasticamente. Sua ascensão à fama internacional foi a evidência de mudanças importantes na política mundial: antes dele, os presidentes de países como a Venezuela raramente se tornavam estrelas globais.

A sensação de que o modelo político e econômico liberal chegou a dominar o cenário mundial levou à busca por um modelo alternativo. Não admira que Chávez e sua defesa ardente do "socialismo do século 21" tenham ecoado com forças de esquerda em todo o mundo, especialmente em lugares onde o descontentamento com o domínio dos Estados Unidos estava crescendo rapidamente.

O que quer que os adversários digam sobre o sistema político na Venezuela sob Chávez, definitivamente não era uma ditadura de partido único. Chávez logo viu que as ditaduras estavam se tornando ultrapassadas no final do século 20. As pessoas ao redor do mundo, da Europa Oriental ao leste da Ásia, da África meridional à América do Sul, exigiam o direito de influenciar seus governantes.

Mas é improvável que o socialismo bolivariano sobreviva muito tempo à morte de Chávez. Como socialismo secular, ele é bom para a redistribuição da renda – a Venezuela rica em petróleo terá fundos suficientes para a redistribuição no próximo par de décadas – mas não pode incentivar a eficiência econômica ou a empresa privada. As iniciativas de grande escala da política externa de Chávez vão logo murchar, porque a Venezuela não terá dinheiro suficiente para satisfazer suas ambições globais, não importa o quão alto chegue o preço do petróleo.

No entanto, isso não significa que Chávez foi um rei por um dia que não pudesse influenciar o curso da História. Pode parecer chocante, mas Chávez não foi o inverso de Augusto Pinochet, mesmo que fossem diametralmente opostos na política e muito diferentes como seres humanos. Mas um olhar mais atento para esses dois militares que se tornaram presidentes revela mais uma coisa que eles tinham em comum: suas políticas, mesmo que descartadas por seus seguidores, mudaram o cenário político adicionando novos elementos a ele.

O presidente chileno Augusto Pinochet lançou reformas neoliberais que reavivaram a economia chilena, que havia sido prejudicada por anos de governo de má qualidade e quase completamente exterminada pelas experiências socialistas de Salvador Allende. É claro que os métodos repressivos de Pinochet não são aceitáveis, e seus excessos econômicos logo se tornaram evidentes. Sua saída não foi motivo de luto, e ele passou os últimos anos da sua vida escondendo-se da justiça internacional. Mas quando Pinochet governou o país, ele e seus apoiadores promoveram uma política de responsabilidade econômica, que ainda está funcionando. A partir de 1989, quando Pinochet deixou o cargo de presidente, até o final da década de 2000, o país foi liderado pelas forças de esquerda, ou seja, os antigos adversários do ditador, apoiadores do homem por ele deposto, Salvador Allende. O Chile continua a ser um Estado eficiente, com uma economia estável, e as mudanças lançadas pelos governos democráticos posteriores não corroeram os fundamentos saudáveis colocados por Pinochet.

A situação na Venezuela é completamente diferente. Chávez adicionou um elemento importante – justiça – à política venezuelana. Em comparação com outros países da América Latina com uma estrutura social semelhante, a sociedade venezuelana era extremamente segregada, com uma aristocracia arrogante olhando de cima sobre as massas empobrecidas. Estas massas elegeram Chávez porque elas o viram como um do seu meio, e em resposta ele dirigiu sua política para os pobres.

Você não pode manter a redistribuição da riqueza para sempre, e assim a política da Venezuela vai mudar. Mas mesmo que forças de direita cheguem ao poder, elas serão incapazes de ignorar o que Chávez ensinou ao povo, que é lutar pelos seus direitos, e assim essas forças terão que manter o aspecto social da sua política econômica, e possivelmente até mesmo reforçá-lo.

Justiça é agora uma das maiores palavras na política global. É o que as pessoas demandam quando estão insatisfeitas com o sistema econômico do seu país e quando questionam os privilégios políticos dos países "escolhidos", como os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU ou os países do G8.

Figura extravagante e às vezes até mesmo grotesca, Chávez inspirou muitas pessoas na América Latina e através delas influenciou a política mundial. Os novos líderes que chegaram ao poder em países vizinhos estão seguindo os passos de Chávez na atenção à maioria pobre. Não há futuro para o inflamado antiamericanismo de Hugo Chávez, mas líderes do Chile à Argentina e do Brasil ao México têm mostrado que não vão seguir a linha dos Estados Unidos, como seus antecessores fizeram no passado.

Hugo Chávez era um homem de seu tempo. Agora que ele se foi, o mundo não vai lembrar apenas suas declarações revolucionárias, mas também as medidas que implementou em benefício de seu país.

 

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