Diário da Rússia

Fyodor Lukyanov

A Rússia entre os líderes mundiais

A Rússia não sabe demonstrar sua liderança no mundo atual devido ao ainda persistente complexo de inferioridade por causa da extinção da União Soviética

Em maio de 1998, em Birmingham, no Reino Unido, aconteceu a primeira reunião do G8, fórum internacional que reúne os sete países mais industrializados e desenvolvidos do mundo mais a Rússia. Os sete países são Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá.

Desde então, a Rússia não só se tornou membro de quase todos os clubes internacionais, mas também adquiriu uma grande experiência presidindo a maioria deles. Podemos então dizer que a Rússia está entre os países líderes mundiais responsáveis pelo destino do mundo?

A reunião em Birmingham foi um marco importante na História da Rússia moderna. Na época, desde o colapso da União Soviética, o então presidente russo, Boris Yeltsin, esforçava-se por fazer com que o país se tornasse membro de associações internacionais exclusivas e recuperasse sua condição de grande potência.

No entanto, três meses após a estreia da Rússia em Birmingham, o país declarou uma moratória da dívida externa e enfrentou uma profunda crise econômica e política. A ilusão de ser igual aos demais líderes mundiais passou assim que o governo russo se dirigiu aos países ocidentais para pedir ajuda financeira e teve seu pedido negado.

Atualmente, isso parece estranho. A Rússia passou, há muito, de país devedor a país doador, e conversa com nações outrora abordadas para obter apoio financeiro para discutir como ajudar a moeda europeia única ou até alguns países da zona do euro.

Não há mais dúvidas de que a Rússia faz parte do clube dos países mais ricos do mundo, embora a situação dentro e em torno desse clube tenha mudado muito desde o final dos anos 1990 e não seja mais favorável ao G8.

Concebido em meados da década de 1970 como forma de consulta informal a portas fechadas entre as maiores economias ocidentais sobre o estado real da conjuntura global, o grupo, que incluía originalmente os cinco países mais ricos do mundo, alargou-se, transformando suas reuniões em um show político.

No entanto, quanto mais transparente é o ambiente, mais perigosas se tornam declarações diretas, feitas sem rodeios, até mesmo em reuniões privadas, nas quais vazamentos, de algum modo, acontecem. Sem discussões francas, porém, as reuniões perdem seu sentido na forma como foram concebidas.

Por outro lado, as mudanças fundamentais na relação de forças no mundo fizeram com que as reuniões no formato limitado se tornassem pouco eficazes. Em algum momento, ficou claro tratar-se de um absurdo discutir a situação econômica mundial sem a China. Por outro lado, a China não podia ser admitida no G8, já que esse grupo só integrava nações democráticas.

A criação do G20 no meio da crise de 2008 resolveu o problema. No entanto, o G20 não chegou a formar um governo mundial. Na primeira fase da crise, a reunião das 20 maiores economias do mundo teve um efeito calmante. Com o tempo, porém, as reuniões se tornaram uma atividade cerimonial. Mesmo assim, cada país pro?ura usar sua presidência para se apresentar como potência mundial responsável. Agora é a vez da Rússia.

Nos últimos anos, a Rússia tem apresentado várias iniciativas globais que jamais se concretizaram por uma série de razões.

Por um lado, a Rússia não sabe demonstrar sua liderança no mundo atual devido ao ainda persistente complexo de inferioridade por causa da extinção da União Soviética. Além disso, os políticos russos ainda não aprenderam a embalar seus interesses egoístas em uma embalagem altruísta, ao contrário dos seus colegas ocidentais.

Por outro lado, no mundo atual, as iniciativas globais simplesmente não funcionam. Não há infraestrutura formal nem informal para levar à prática planos globais. Um dos traços marcantes do mundo moderno é o de que as decisões globais funcionam pior do que as iniciativas de dimensão menor.

O exemplo mais marcante disso é o fracasso dos esforços da ONU para o combate à mudança climática. Já nacionalmente, as tecnologias de eficiência energética e de redução das emissões de gases de efeito estufa são bastante eficazes.

Nos 15 anos passados desde que Boris Yeltsin participou pela primeira vez da reunião do G8 como líder de um país-membro de pleno direito, a meta de alcançar uma alta posição internacional fixada pelo então governo do país foi atingida e até ultrapassada. Todavia, não se sabe qual será o papel da Rússia no cenário internacional nos próximos anos.

No futuro, como em 1998, quando Yeltsin participou da primeira reunião do G8, o lugar da Rússia no mundo dependerá da qualidade de seu desenvolvimento interno e não da sua capacidade de se apresentar adequadamente nos fóruns internacionais.

[Este artigo foi originalmente escrito para o jornal “Kommersant” e publicado, de forma abreviada, no site Rusia Hoy, edição online da Rossyiskaya Gazeta em espanhol.]

 

 

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