Mariana Gomes
Em resposta a um jornalista
Com meus oito anos de Rússia, no Teatro Bolshoi, tenho orgulho de dizer que aprendi a ter dignidade
- 6 Comentários
- Tweet
- Compartilhar
A verdade sempre aparece, é o que diz a minha mãe. Quem fala a verdade não merece castigo – frase preferida do meu pai.
O que me intriga não é isso, é qual o tempo que nós teremos que pagar por uma mentira? Nós que falamos a verdade, somos fiéis e lutadores... Quanto tempo temos que esperar pela preciosa verdade? As pessoas que não têm condições de contar com profissionais como advogados e psicanalistas renomados contam com Deus, Justiça Divina, tempo, paciência, a esperança de que o tempo tudo mostrará.
Fiquei surpresa quando recebi uma ameaça de um jornalista de uma televisão globalmente famosa, de que, caso eu não comentasse certo tema – "a prostituição no meu teatro" –, o jornalista escreveria que eu preferi me calar, e todo o Brasil entenderia que sou “uma delas”.
A minha resposta foi simples. Primeiro, acredito que um bom jornalista deve pesquisar de onde vem o comentário. Afinal, alguém te conta uma fofoca e você deve se interessar pelo passado e os complexos dessa pessoa para saber se tem algum fundamento ou interesse, não é? Segundo, eu disse a essa pessoa, ou melhor, a esse profissional da mídia, que, assim como ele(a), eu poderia escrever sobre prostituição na minha profissão, eu poderia escrever sobre prostituições e ameaças a entrevistados na profissão dele, que é o que estamos lendo aqui hoje. Terceiro, e último ponto, a minha mãe, que mora no interior da Bahia, onde cresci e comecei a fazer balé, me conta de uma vizinha do bairro onde cresci e de onde saí para estudar profissionalmente em Joinville, com muita ajuda e esforço de muitos amigos e pessoas que são da mesma vizinhança. Pois bem, a vizinha lhe perguntou: "Na empresa da sua filha o pessoal dorme com o diretor?"
Respondo: saia da sua casa e talvez encontre um supermercado ou uma farmácia na esquina, pouco mais adiante a sua própria empresa, seu banco... Acredite em mim, em todos esses lugares, alguém dorme com o gerente ou com diretor e nem por isso eu julgo o banco, a farmácia e os funcionários desses lugares. O caminho, a educação, a direção que as pessoas tomam na vida delas – tudo é opção de cada um.
E ver que isso pode se tornar um rótulo para todo teatro, toda empresa, é triste. Mas posso resumir da seguinte forma:
Coitada da artista que precisou escrever sobre isso para reaparecer na mídia depois de demitida. Sinto muito pelo jornalista que precisa usar isso para receber seu salário no fim do mês. E tiro o chapéu para a minha mãe, que mora no interior da Bahia, escutou tudo isso, morre de orgulho de mim e, o que mais me impressionou, ela nunca me fez nenhuma pergunta sobre prostituição no Teatro Bolshoi. Me contou com tom irônico o comentário da vizinha, que nessa história toda sai como a mais inocente e culpada. Aquela que é influenciada pela mídia – o que hoje, nesse comentário sem importância, amanhã custe talvez a decisão de um voto, uma presidência do país... Na inocência dela, influenciada pelo que escutou.
Com meus oito anos de Rússia, no Teatro Bolshoi, tenho orgulho de dizer que aprendi a ter a minha personalidade, carrego nas costas minha dignidade e a certeza de que as noites que passo em claro, sem dormir, são muitas, mas não são por motivos dos quais a minha mãe se envergonharia. Pelo contrário, passo noites em claro escrevendo textos como este, noites em claro por excesso de dor no corpo e muito trabalho, preocupação e ensaios, resultados do meu esforço e das minhas escolhas. Porque eu desde os 14 anos escolho o caminho mais difícil da vida, e isso me dá segurança, independência e um aprendizado que com certeza nem a vizinha nem o jornalista tenham.
Desejo às “vizinhas" , influenciadas pelo que escutam, e aos jornalistas, responsáveis pelo que foi publicado: uma Páscoa tão boa e com muita paz quanto a minha Páscoa e da minha mãe, de coração tranquilo e com o orgulho das pessoas que somos e nos tornamos.
Muitas bailarinas dignas hoje pagam o preço pela ambição de algum jornalista e a inocência de algum leitor.
Algum suspeito pode estar pagando na cadeia pela ambição de algum advogado e a inocência de alguém que o recriminou.
Você, que pode ser uma pessoa comum, pode estar pagando pela ambição de alguém que o influenciou e pela inocência daquele que apenas acreditou numa história.
Assim como no teatro de bonecas. Bonecas de madeira que estão em cima do palco, onde a marionete é a estrela influenciada pela mão do diretor. A boneca exposta no palco recebe aplausos ou vaias, da plateia que naquela história acreditou.