Mario Russo
São Petersburgo
Aqui bate o coração de todas as Rússias
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De Moscou a São Petersburgo, leva-se uma hora de avião, oito horas em trem expresso leito ou uma vida inteira sonhando conhecê-la. Uma vez lá, contudo, a cidade transforma-se em um imenso caleidoscópio de imagens e lembranças que ficarão para sempre na memória do visitante.
Antiga capital da Rússia – posto que perdeu para Moscou após a Revolução Comunista, em 1917 –, São Petersburgo é muito mais do que a segunda cidade da Federação Russa em tamanho. Com cerca de 5,5 milhões de habitantes, a antiga Leningrado guarda um dos maiores patrimônios artísticos e culturais do mundo.
Às margens do Mar Baltico, a cidade espalha-se por 42 ilhas, cortadas pelo Rio Neva e por vários afluentes e canais – como o Fontanka, Moika, Griboedov – que a consagraram como a Veneza do Norte. Fundada no início do século XVIII pelo imperador Pedro I, após a vitória na guerra com os suecos, São Petersburgo foi uma das almejadas saídas do Império Russo para o mar.
Em cada praça, avenida, parque ou prédio, São Petersburgo é uma aula viva de história que impressiona pela riqueza das construções e dos amplos espaços que cedem lugar, aqui e ali, a pontes e ruelas. A cidade exibe em cada canto exemplares notáveis dos maiores arquitetos europeus dos séculos XVIII e XIX, como os italianos Bartolomeo Rastrelli, Giácomo Quarengui, Carlo Rossi e dos russos Andrei Voronijin, Vasili Stasov e Andrei Zajarov.
A Fortaleza de São Pedro, São Paulo, primeiro marco da cidade, guarda um dos mais impressionantes conjuntos arquitetônicos locais, à margem esquerda do Neva. A torre do Almirantado, com seus 72 metros de altura, encimados com a caravela dourada, é um dos símbolos da cidade avistados de qualquer parte. No centro, todos os dias, pontualmente às 12 horas, ouve-se um tiro de canhão, disparado da fortaleza, uma antiga tradição que servia para alertar os habitantes da aproximação de navios inimigos.
Na ilha Vasilievski, a maior do arquipélago, encontram-se construções marcantes como o prédio da antiga Bolsa de Valores, hoje Museu Central da Marinha, o Museu da Revolução, o cruzador Aurora – responsável pelo disparo, em outubro de 1917, que serviu de sinal para o ataque ao Palácio de Inverno – o Museu Histórico Russo, entre outros.
As catedrais, com suas imensas cúpulas douradas – marca da Igreja Ortodoxa e de inspiração bizantina – são capítulo à parte pela riqueza de interiores e exteriores. Exemplos imperdíveis são as da Virgem de Kazan – uma das padroeiras da Rússia, ao lado de São Jorge –, com seus impressionantes 101,5 metros de altura, a Igreja da Ressurreição de Cristo, as de Santa Trindade, São Nicolau Marinho e o Convento Smolny. A lista de palácios, de visita obrigatória, inclui os de Menshikov, de Mijailoski, de Stroganov, o Palácio de Mármore, a Academia de Belas Artes, a Biblioteca Nacional e o apartamento do poeta Aleksandr Pushkin.
Passando pelo centro, não deixe de ver as estátuas dos Domadores de Cavalos, do escultor francês Peter Clodt, que ornamentam a Ponte Anichkov. Não deixe de conhecer também o metrô, obra notável de engenharia, que cruza rios e canais a uma profundidade, às vezes, de 100 metros. É barato, seguro e limpo. Se a paixão foi o teatro e o balé, não deixe de visitar o Teatro de Drama Pushkin e o Teatro Marinski (1860), este cujo elenco é considerado por muitos rival e, por vezes, superior ao Bolshoi, em Moscou.
No verão, em junho, acontece uma das maiores atrações da cidade, o Festival das Noites Brancas, com incontáveis espetáculos de música, cinema, teatro e exposições. Devido à latitude de São Petersburgo, próxima do Círculo Ártico, o sol praticamente não se põe durante boa parte do mês, o que cria um visual de silhuetas inesquecíveis.
Uma das cidades mais castigadas durante a Segunda Guerra Mundial, São Petersburgo talvez seja o maior símbolo de resistência ao nazismo, ao lado de Stalingrado. A cidade até hoje guarda com orgulho suas velhas cicatrizes quando, ainda Leningrado, entre 1941 e 1943, foi praticamente arrasada pelo cerco e pelos bombardeios das tropas alemãs, que mataram cerca de 600 mil pessoas.
Outra visita imperdível é a Praça dos Dezembristas, com a estátua de Pedro I a cavalo. A obra, encomendada por Catarina II ao escultor Etienne Falconet, foi esculpida sobre um bloco de pedra de 600 toneladas. À margem direita do Neva, o monumento guarda uma curiosa tradição. Bem próximo dali, antes de partirem para a comemoração, os recém-casados saem do registro civil para tirar uma foto aos pés do monumento. Os russos garantem que isso dá sorte ao casamento.
Falar do magnífico conjunto do Palácio de Inverno – antiga residência dos czares – e do Museu Ermitage é lançar-se a um impossível exercício de síntese. Construído sob inspiração de Catarina II, o Ermitage é o segundo maior museu do mundo, com suas 350 salas, 15 mil quadros, 12 mil esculturas, 600 mil gravações e desenhos, 1 milhão de moedas e medalhas e um acervo indescritível com quase 3 milhões de peças.
Com orgulho, os guias de turismo dão o seguinte exemplo: se um visitante fosse todos os dias da semana ao museu, durante oito horas diárias, e examinasse cada peça durante um minuto, a visita estaria completa em oito anos. Isso mesmo, oito anos, tempo necessário para conhecer os quase 26 quilômetros de salas e galerias! Lá estão alguns dos melhores trabalhos de Da Vinci, Rubens, Rembrandt, Monet, Van Gogh, Matisse, Rafael, Tiziano, Veronese, Goya, El Grecco, Renoir, Degas, Cezanne, Velazques, Gauguin, Picasso, Kandinski, Van der Weyden, Caravaggio, Van Dick, entre outros.
Mesmo tendo perdido sua condição de capital para Moscou, São Petersburgo continua um fervilhante caldeirão cultural que, hoje, atrai grandes empresas de serviços e negócios. Na Avenida Nevski, a principal da cidade, ou em pequenas artérias, a cidade tem um ar mágico, com tróleis e bondes coloridos contrastando com a sisuda arquitetura dos prédios da era soviética.
A abertura Rússia para o Ocidente semeia um sem-número de galerias, restaurantes sofisticados, simpáticos cafés e lojas de grifes internacionais para satisfazer às exigências do turista voltado ao consumo. A rede hoteleira, ainda mesmo pequena, oferece acomodações e preços internacionais.
Assim como em outras cidades russas, "obrigado" e "por favor" são expressões que podem causar certa estranheza aos brasileiros. Elas brotam´por toda a parte e a toda hora. São hábitos naturais do dia a dia, como o de oferecer um sorriso e um pequeno cálice de vodca – "a nacional deles é muito boa!" – em uma bandeja, assim que o turista entra em uma loja de suvenir.
Por tudo isso, ao voltar de São Petersburgo, cumpra um pequeno ritual. Antes de embarcar, olhe bem para a estação ferroviária Moscovsky ou para a pista do aeroporto Pulkovo e diga: spassiba (obrigado) e dasvidania (até a vista). Caso se sinta envergonhado, diga baixinho mesmo. Garanto que a cidade toda vai ouvir e entender que isso já é o começo de uma incurável saudade.