Diário da Rússia

Roberto Fendt

E agora, José?

Para que serviu a retórica da austeridade fiscal em 2012 alardeada aos quatro ventos?

Só se recorre a Drummond em momentos de grande perplexidade. E perplexidade com as medidas do governo foi o que se viu na reação imediata dos analistas e do mercado à sequência de anúncios e decisões nas áreas fiscal e monetária.

Vamos aos fatos. Na semana que passou, o governo, primeiro, deu a entender que o ajuste fiscal precederia a redução da taxa básica de juros. Essa ideia, de todo coerente, baseava-se na noção correta de que reduzir pressões inflacionárias apenas com juros altos não daria conta do recado.

Pior, porque além de não ser suficiente, juros altos desincentivam o consumo de bens duráveis e do investimento empresarial. O efeito conjunto das medidas macroprudenciais e dos juros estratosféricos, pelos padrões internacionais atuais, é o de um tiro no pé. As pressões de demanda não estavam cedendo e a economia caminhava para a desaceleração em 2012.

É verdade que no início desta semana o próprio governo começou a relativizar o ponto de vista de que a queda nos juros esperaria o ajuste fiscal. Mas nada indicava as surpresas que viriam na quarta-feira. Elas ocorreram simultaneamente com o envio da proposta de lei orçamentária do Executivo ao Congresso e com o resultado da reunião do Copom.

Para quem esperava um orçamento enxuto, o que se viu foi justamente o oposto. Depois de dizer que decidira aumentar a meta do superávit fiscal em R$ 10 bilhões este ano e de manter no próximo uma política fiscal austera, a proposta de orçamento do governo vai na direção oposta.

Todos sabemos que o orçamento brasileiro não é impositivo, isto é, não manda que o governo gaste o que está previsto, mas que possa contingenciar parte das despesas na execução orçamentária. Portanto, não deveriam assustar ninguém as inferências que se poderiam fazer com base nos pressupostos do orçamento para 2012.

Não fora o fato de que o orçamento será contingenciado, para que a retórica de austeridade faça sentido a inflação de 2012 deveria superar 15,9%, que é o percentual previsto no orçamento para a expansão das despesas primárias da União. Adicionem-se a esse fato, outros, como a ausência de previsão de reajuste salarial para a maioria das carreiras do serviço público. É difícil imaginar que o Congresso não emende essa disposição do orçamento.

Por outro lado, estaria implícito um crescimento expressivo em 2012, ou do PIB ou da carga tributária, para que faça sentido o crescimento orçado de 12,8% das receitas primárias. Esse pressuposto choca-se também com outra, utilizada como base para a decisão do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) de reduzir a taxa Selic em meio ponto percentual.

Em seu comunicado após a reunião, o Copom apontou que o corte decorreu tanto do cenário internacional em deterioração como da desaceleração da atividade econômica interna. Dessas duas hipóteses, uma é duvidosa quanto à novidade de seus efeitos e a outra é inconsistente com o crescimento projetado das receitas tributárias no orçamento de 2012.

Não se está correndo risco algum de que o mundo desenvolvido possa cair em uma nova recessão em 2012 porque, simplesmente, esses países não saíram ainda da recessão iniciada em 2008. O risco que corre a economia internacional é de manter-se estagnada por um período de tempo mais longo do que o usual após uma grande desaceleração. Esse ponto de vista é exposto por analistas da melhor qualidade, como Kenneth Rogoff e Martin Wolf. Não é por aí que se justifica a queda abrupta e forte da Selic.

Justamente porque o corte da taxa básica de juros foi abrupto e forte, não há como imaginar que a economia está caminhando para um crescimento nominal de 12,8% em 2012. Exceto, é claro, se a redução da Selic e a expansão fiscal desaguarem em forte aceleração da inflação em 2012, o que certamente não é a intenção do governo.

Para completar, a senhora ministra do Planejamento apontou que pretende manter a meta de superávit primário de R$ 139,8 bilhões em 2012, sem descontar integralmente da meta as despesas com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do total orçado.

Diante do exposto e da redução da taxa Selic já ocorrida na reunião do Copom desta semana, só é possível concluir que o orçamento não será integralmente executado em 2012, como ocorre todos os anos. Quanto das despesas nele inscritas será executado só será sabido no próximo ano, após a edição do decreto presidencial, contingenciando as despesas em 2012.

Se é verdade que é sempre assim, fica no ar a questão: para que serviu a retórica da austeridade fiscal em 2012 alardeada aos quatro ventos esta semana?

[Este artigo foi originalmente publicado no "Diário do Comércio", de São Paulo.]

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