Roberto Fendt
Relembrando setembro
Todos estão a relembrar o dia da ignomínia, 11 de setembro de 2001. Há diversas razões, a menos importante das quais o fato de completarem-se dez anos do atentado do Al-Qaeda nos Estados Unidos. Meto também minha colher nesse caldo
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Em Brasília, a manhã era de sol e lá estava, junto com a diretoria da FGV, para fazer entrega ao Presidente Fernando Henrique Cardoso de exemplar do "Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro", produzido pela Fundação. A obra monumental produzida pelo CPDOC continha verbetes, não somente sobre o senhor presidente, como também de seu pai, o General Leônidas Cardoso.
Já havia estado com o presidente anteriormente e notado a sua pontualidade nos compromissos. Por isso estranhei, de mim para comigo, a informação do ajudante de ordens de que o presidente se retardaria um pouco para nos receber.
Nesse interregno, toca um celular falando de terrível acidente em Nova York, em uma das torres do World Trade Center. Os telefonemas se sucederam, cada vez mais pintando um quadro do impensável atentado terrorista, às torres e ao Pentágono.
A segunda torre já estava no chão, com suas vítimas, quando surgiu FHC. Rapidamente nos pôs a par do que ocorria e que estava acompanhando no subsolo do palácio.
A tranquilidade do presidente não se abalou e ele teve o tempo e o interesse em examinar os volumes, detendo-se na biografia do pai e passando os olhos em diversas outras, sempre com comentários precisos.
Despedimo-nos com aquele misto de satisfação pelo dever cumprido e com a perplexidade do brutal e covarde ataque. Qual seria o próximo? Que outras vítimas inocentes pagariam o preço da insensatez?
Na verdade, outros atentados viriam a ocorrer, mas não nos EUA. Um dos mais selvagens ocorreu, em 11 de março de 2004, três dias antes das eleições gerais na Espanha e em que dez bombas mataram 191 pessoas no sistema ferroviário de Madri. Mas nenhum deles repetiu-se nos EUA.
Haverá outros? Osama Bin Laden morreu em 2 de maio do ano passado e muitos julgam que o Al-Qaeda perdeu muito de sua motivação e liderança. Scott Steward analisou recentemente a possibilidade de um novo ataque terrorista (“Why Al Qaeda is Unlikely to Execute Another 9/11”, Stratford Global Intelligence, 01/09/2011) e concluiu por sua improbabilidade.
O argumento é simples. Qualquer ameaça tem dois componentes básicos: a intenção e a capacidade de materializá-la. A intenção de atacar novamente os EUA é permanente, como tem sido ao longo dos últimos dez anos. Ela tem sido propalada persistentemente por Ayman al-Zawahiri, o atual número um do Al-Qaeda e sucessor de Bin Laden. E o argumento é o mesmo de sempre: os EUA são o Grande Satã, a espalhar a corrupção pelo mundo. Para ele, somente ataques aos EUA permitirão a redenção do mundo, não somente para o Al-Qaeda, mas para todos os movimentos da Jihad.
A capacidade de materializar a ameaça é outra coisa. A estratégia americana, até agora bem-sucedida, foi de atacar o coração do Al-Qaeda no Paquistão, enfraquecendo, senão eliminando, seu corpo dirigente. O que restou do núcleo do Al-Qaeda está agora na defensiva, ocultando-se da perseguição americana no Paquistão.
Muitos receiam um novo ataque na data redonda, como se o Al-Qaeda necessitasse de datas dessa natureza para realizar seus ataques. Não foi em nenhuma data redonda que ocorreu o atentado em Madri, nem tampouco em Istambul, Nairobi, Dar es Salaam ou Londres. O Al-Qaeda atacou sempre que esteve preparado para tal.
O resumo da ópera é simples: o Al-Qaeda continua desejando causar o maior dano possível em solo americano. E assim continuará, como esteve no passado. Terá capacidade de fazê-lo?
Se um novo ato terrorista da natureza que se está aqui a comentar vier a ocorrer, será decorrente da ação individual, de algum simpatizante infiltrado nos EUA ou em outra democracia ocidental. É tão difícil detectar esses atos individuais como tem sido difícil detectar em tempo hábil a ação de serial killers enlouquecidos.
Se vier a ocorrer, um ato dessa natureza não terá as características de espalhar o terror como o de 11 de setembro. Será como sempre foram os atos terroristas do século 19, de pequeno alcance, embora moralmente tão reprováveis como a ação coordenada e espetacular de dez anos atrás.
[Este artigo foi originalmente publicado no "Diário do Comércio", de São Paulo.]