Roberto Fendt
Dilemas europeus, problemas de todos
Uma anomia econômica europeia poderá, infelizmente, respingar em todos, nós inclusive
- 0 Comentários
- Tweet
- Compartilhar
O ministro da fazenda da Alemanha, Wolfgang Schäuble, reafirmou há dias em entrevista que a Grécia não teria acesso à próxima parcela a que faz jus do pacote financeiro de 2010, a menos que cumprisse as cláusulas do acordo que deu origem ao pacote de ajuda financeira. “Não há como deixar de cumprir o acordado”, declarou no Parlamento alemão. Faz sentido a advertência de Herr Schäuble?
É compreensível que o ministro fale grosso com a Grécia, mas o destinatário de suas afirmações é o eleitor alemão. Há uma profunda insatisfação na Alemanha com o que é percebido como um passar a mão na cabeça de um faltoso. O eleitor alemão recentemente derrotou a chanceler Angela Merkel em seu próprio reduto eleitoral por sua posição favorável à manutenção do euro e à ajuda aos países desgarrados da periferia europeia. Certamente o senhor Schäuble não quer deixar a impressão de que o governo de seu partido deixou de advertir o faltoso.
Se for só isso, não há grandes motivos para preocupação. Motivos haverá se o governo alemão se vir forçado a retirar o apoio até agora concedido à Grécia. Porque todos sabiam como seria difícil aos gregos fazer cumprir as exigências que vieram junto com o pacote de ajuda financeira ao país.
Já tive oportunidade de comentar o assunto, quando a situação da Grécia não havia ainda deteriorado tanto e a oposição interna à preservação do euro a qualquer preço era menor. A Grécia não terá condições de reduzir o seu duplo déficit – fiscal e do balanço de pagamentos – enquanto fizer parte da área do euro.
Em junho de 2009, um estudo publicado pelo Banco Central da Grécia (George A. Zombanakis, Constantinos Stylianou e Andreas S. Andreou, “The Greek current account deficit: is it sustainable after all?”) já questionava no título se o déficit em conta corrente do balanço de pagamentos do país era sustentável ao longo do tempo.
A conclusão do estudo era premonitória: o déficit era sinal inequívoco da perda de competitividade da economia grega e que isso constituía uma grave ameaça à estabilidade econômica do país no futuro. Não deu outra.
A curto prazo, a solução para o problema grego passa por dois caminhos, ambos politicamente intragáveis. A tarefa talvez mais difícil está sendo implementada: o brutal corte de despesas do governo para reduzir de forma significativa, nos próximos três anos, o déficit fiscal interno. A outra tarefa, cortar também, e rápido, o déficit do balanço de pagamentos, só será atingida se a Grécia abandonar de maneira ordenada o sistema monetário europeu e desvalorizar sua moeda em relação ao euro e às demais moedas.
Se a Grécia se vir forçada a abandonar desordenadamente o euro, haverá um grande risco de que o abandono precipitado se estenda aos demais países da periferia europeia. Com isso, um processo que talvez venha a ser avaliado depois de sanada a crise, ocorreria à revelia de todos.
O pacote de ajuda foi concebido para permitir um prazo de ajustamento mais longo à Grécia. Não desembolsar a próxima parcela desse pacote somente ampliará a incapacidade da Grécia de ajustar-se, como também deflagrará o impensável: o retorno desordenado da união monetária europeia aos seus membros originais.
O senhor Schäuble, ou não fez uma análise de custo-benefício do encolhimento da área do euro, ou se fez, suas contas vão de encontro às contas de muitos analistas, entre eles o respeitado Martin Wolf, do Financial Times.
A união monetária europeia, com o euro como moeda comum, é ante s de tudo uma criação alemã. Essa criatura, contudo, não dispunha no momento da criação, como não dispõe até hoje, dos instrumentos de intervenção no mercado de um banco central típico, como o Bundesbank, o banco central alemão. O Banco Central Europeu (BCE), o núcleo da zona do euro, mostrou-se incapaz de atuar como emprestador de última instância para a ampla área em que vigora a moeda comum.
Em decorrência, ou a Alemanha apoia a ampliação do escopo do BCE, adequando-o às imensas tarefas que tem à frente em ambiente de crise, ou será também atropelada pela crise.
Não serão somente os bancos alemães, envolvidos em empréstimos à Grécia e a outros países da periferia da Europa, que serão atingidos. Uma nova crise financeira de grandes proporções afetará a economia real de seus parceiros europeus. A expansão comercial da competitiva Alemanha nesses mercados ficará comprometida.
O dilema alemão consiste na escolha entre dois males: manter a estratégia de dar tempo ao tempo na Grécia, contra a vontade dos eleitores, ou pôr em risco a estratégia bem sucedida de expansão dos mercados para seus produtos de exportação. Se o dilema for resolvido pela inação, gerará uma anomia econômica europeia, que infelizmente respingará em todos, nós inclusive.
[Este artigo foi originalmente publicado no "Diário do Comércio", de São Paulo.]