Roberto Fendt
Sobre Pirro e outras vitórias
Será necessário dar tempo ao tempo para que os ajustes nas economias da Grécia e de Portugal, e da Espanha, Irlanda e Itália, produzam efeitos significativos
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Em 279 a. C. o rei Pirro de Épiro derrotou os romanos na Batalha de Ásculo, após havê-los derrotado no ano anterior na Batalha de Heracleia. Parabenizado pela vitória em Áusculo, ele teria respondido que com outra vitória como essa estaria completamente derrotado.
O Parlamento alemão aprovou na última semana, por larga margem de votos, a lei que permite ampliar o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF).
Trata-se de importante vitória dos que defendem, do outro lado do Atlântico, estímulos às economias em crise e à capitalização dos bancos europeus – o secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, e a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde.
Na ponta oposta, foram derrotados os conservadores europeus que defendem o caminho do ajuste fiscal dos países endividados, sem novos aportes de recursos antes que as medidas de ajuste adotadas por esses países tenham produzido resultados.
Com a votação da semana passada no Parlamento alemão, venceram os “expansionistas” sobre os “fiscalistas”. Mas não está claro se foi posto fim ao longo período de indecisão sobre que política adotar para fazer face à crise na periferia da Europa.
Os que defendem medidas expansionistas nos campos fiscal e monetário argumentam que profundos cortes nas despesas públicas não são a solução. Para eles, o problema central é justamente de falta de demanda. Cortar despesas públicas, como salários, pensões e investimentos, agrava, em lugar de reduzir a recessão e o desemprego.
Na ponta oposta, os que defendem os cortes nas despesas públicas entendem que os principais países problemáticos passaram os últimos anos a viver além dos próprios meios. O caso da Grécia seria o mais emblemático, já que o consumo foi financiado por empréstimos externos.
À medida que crescia o endividamento, criavam-se dois déficits gêmeos – um fiscal, interno, e outro no balanço de pagamentos.
A solução clássica para um desequilíbrio tanto interno como externo consiste em desvalorizar o câmbio, para reduzir o deficit no balanço de pagamentos, e cortar despesas e aumentar impostos, para reduzir o deficit interno.
Tudo seria muito simples não fossem as magnitudes das variáveis envolvidas. O corte de despesas e o aumento de impostos necessários para trazer o déficit a um nível financiável são grandes demais para o lapso de tempo acordado. Ele é inviável sem que outras medidas não contempladas até agora sejam postas em prática.
A principal dessas medidas é uma reestruturação da dívida soberana do país. Com esse termo elegante quer-se dizer uma redução do valor de face da dívida grega. O valor de mercado da dívida já se reduziu, e continua a diminuir à medida que a crise não encontra solução. A perda, portanto, já ocorreu. Falta apenas escriturá-la nos balanços dos bancos credores.
Além disso, o prêmio de risco embutido nas taxas de juros da dívida soberana grega, pelo seu tamanho, já levava em conta a possibilidade de uma eventual reestruturação. Dito de outra forma, os bancos europeus (e americanos, que detêm 500 bilhões de dólares de dívida grega) já receberam parte do que agora poderão perder. Caso essa reestruturação ocorra, parte do ajuste fiscal interno grego estará assegurada.
Caso contrário, a única alternativa é a que se desenha agora. Será necessário dar tempo ao tempo para que os ajustes nas economias da Grécia e de Portugal, e da Espanha, Irlanda e Itália, produzam efeitos significativos. É para permitir esse tempo de ajuste que o aumento dos recursos do FEEF se torna indispensável.
O ajuste do balanço de pagamentos é outra história. A Grécia não poderá desvalorizar a moeda, por definição, a menos que abandone, talvez temporariamente, a zona do euro e volte a ter moeda própria.
Sem efetuar o ajuste do balanço de pagamentos, o país continuará a necessitar de aportes contínuos de recursos para financiar o seu deficit externo.
Em suas batalhas contra os romanos, Pirro ganhou mas não levou. A cada batalha, perdiam soldados Pirro e os romanos. Mas os romanos repunham sempre suas perdas, o que não ocorreu com as tropas do rei.
Na batalha contra a crise europeia, a ausência de ajuste externo dos países em crise exigirá um influxo permanente de recursos externos. Se os desequilíbrios dos balanços de pagamentos desses países deixarem de ser financiados, se gerará outra crise mais adiante, talvez maior, e se terá obtido com a votação da semana passada uma autêntica vitória de Pirro.