Roberto Fendt
Uma “década horrível”?
A Chanceler Angela Merkel, da Alemanha, afirma que 2012 será ainda mais difícil que o ano anterior
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Em 24 de novembro de 1992, envolta em toda sorte de problemas com seus familiares, a Rainha Elizabeth II chamou o ano de “annus horribilis”. Não era para menos. Por qualquer critério, um “ano horrível”.
Em 1.º de janeiro de 2002, pouco mais de dez anos depois, entrava em circulação o euro, que no domingo completou dez anos. Serão os próximos dez anos uma década horrível para o euro?
Afinal, o que deu errado? Na origem da criação do euro os pressupostos, naturalmente, pareciam corretos. A experiência com a união comercial que deu origem ao Mercado Comum e à União Europeia mostrou que há benefícios com a cooperação entre as nações. A eliminação das barreiras à livre movimentação de bens, capitais e pessoas dentro da União Europeia produziu ganhos para todos, pequenas e grandes economias da região. Por que o mesmo não se daria se alguns dos países da região também adotassem uma moeda comum?
Os benefícios de uma moeda comum não seriam desprezíveis. Dois deles foram suficientes para a adoção do euro. Primeiro, a eliminação do risco cambial nas transações na área do euro; segundo, a rápida queda da taxa de juros dentro de toda a área. Países como Irlanda, Portugal, Espanha e Grécia puderam lançar títulos soberanos no mercado pagando taxas de juros apenas levemente mais altas que os correspondentes títulos da dívida soberana alemã.
De início não surgiram problemas. Ao contrário, a maior parte da década passada foi um período extremamente favorável para os países que compartilharam a moeda comum. Em troca da ausência de risco cambial e com taxas de juros alemães, os países do sul da Europa abriam mão de compensar, via desvalorizações de suas moedas nacionais, a perda de competitividade frente aos parceiros do norte europeu. Os ganhos de credibilidade advindos com a moeda comum mais que contrabalançavam a perda de soberania monetária.
É claro que os arquitetos da união monetária esperavam que os países do sul da Europa de alguma forma introduzissem reformas que modernizassem suas economias e aumentassem a competitividade. Seriam essas reformas e a modernização que aumentariam a renda per capita. Contudo, isso não ocorreu. É claro também que os países do norte da Europa se beneficiaram da moeda comum, aumentando suas exportações para o sul e os saldos de seus balanços de pagamentos, na mesma proporção em que se deterioravam os saldos dos balanços de pagamentos de Portugal, Espanha, Grécia, Irlanda e Itália.
Desde o início, também, faltavam dois ingredientes importantes à área do euro. Primeiro, a ausência de uma união fiscal com um Tesouro comum à área; segundo, um banco central que agisse como emprestador de última instância aos bancos e aos tesouros da zona do euro em momentos de crise.
A despeito de tudo que já ocorreu, a situação fiscal da área do euro como um todo ainda é melhor que a dos EUA ou da Inglaterra, como observou Guillermo de la Dehesa: em 2001, o déficit fiscal é de 4% do PIB da área, frente a 10% dos EUA e 9,4% da Grã-Bretanha. Além disso, sua dívida bruta é de 88% do PIB, enquanto ela é de 101% nos EUA e 85% na Grã-Bretanha. Esses dois últimos países, contudo, não têm problemas com suas dívidas soberanas, a despeito de apresentarem um quadro fiscal pior que o da área do euro.
Por certo os EUA crescem, enquanto a Europa como um todo está mais para estagnação que para crescimento. Isso explica em parte por que há uma crise das dívidas soberanas na zona do euro e não nos EUA, mas não explica por que a Grã-Bretanha até agora não padece dos problemas dos países do continente.
Uma diferença importante entre os dois grupos de países é a existência, nos dois primeiros, de bancos centrais que podem atuar como emprestadores dos tesouros nacionais em momentos de crise, enquanto o Banco Central Europeu (BCE) não tem esse mandato.
Outra característica importante com relação aos países da zona do euro é o fato de, em conjunto, não apresentarem déficit em seu balanço de pagamentos: ao déficit dos países do sul corresponde um superávit dos países do norte. Portanto, em tese, há poupança suficiente para, dentro da área do euro, financiar os países em déficit e evitar um calote na dívida soberana dos deficitários.
Por fim, como já apontei em outra ocasião nesse espaço, a moeda comum impede que parte do ajuste dos países do sul se dê via preços (desvalorização cambial), em lugar de recessão e desemprego.
Os países da zona do euro estão tão perto geograficamente e, ao mesmo tempo, tão longe em suas concepções de como parar a crise. São essas diferenças de opinião que justificam as palavras da Chanceler Merkel da Alemanha, ao afirmar que 2012 será ainda mais difícil que o ano anterior e que prenunciam, a permanecer tudo como está, uma “década horrível”.