Roberto Fendt
Numerologias
Por que os países desenvolvidos têm metas de inflação em torno de 2% e nós não?
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Caso a inflação acumulada de 2011 não tivesse ficado em 6,4994%, mas, digamos, em 6,54994%, o senhor presidente do Banco Central (BC) precisaria ter enviado carta ao senhor ministro da Fazenda justificando o não cumprimento da meta de inflação. Que teor poderia ter essa correspondência?
Antes de tentar responder tão espinhosa pergunta, vale a pena conjecturar sobre o que não conteria. Homem inteligente que é, o Presidente Tombini certamente passaria ao largo de explicar a inflação pelo comportamento dos preços que superaram no ano o teto da meta. Evitaria dizer, por exemplo, que foram alguns “vilões” que levaram a inflação de 2011 ao teto da meta.
Por exemplo, alguns funcionários de menor escalão atribuíram o estouro da meta ao aumento do custo das refeições fora de casa (10,49%), ao aumento dos salários dos empregados domésticos (11,37%) e ao aluguel (11,01%).
Os aumentos dos dois primeiros itens foram atribuídos à melhoria do rendimento das pessoas das classes de renda C e D. Com mais dinheiro no bolso, argumentou-se, as pessoas passaram a comer mais fora de casa, aumentando a demanda e os preços. Pela mesma razão, muitos preferiram deixar de trabalhar como domésticos, buscando outras formas de trabalho. Pode ser.
Já o aumento do aluguel estaria associado à bolha imobiliária que ocorre em praticamente todas as cidades do país. Aumentaram os preços das residências e, em consequência, o aluguel.
Há dois problemas com essa interpretação. Primeiro, pode-se argumentar o mesmo com os preços que subiram menos que a inflação média. Porque se o IPCA é uma média ponderada dos preços da cesta que o compõe, se alguns preços subiram mais que a média, necessariamente outros subiram menos. Esses últimos preços poderiam ser chamados de “heróis” da inflação, infelizmente derrotados pelos “vilões” no cômputo da taxa de inflação do ano.
Segundo, por definição, a inflação é uma alta persistente do nível de preços que tem origem em causas que transcendem os próprios preços. A teoria e a história econômicas mostram exaustivamente que é impossível um aumento persistente no nível geral dos preços sem que ocorra também um aumento persistente da massa monetária. Dito de outra forma, se aumentou a demanda da sociedade, a persistência da inflação requer que esse aumento seja validado pelo aumento da quantidade de moeda do país.
Portanto, provavelmente o senhor presidente do BC alinharia outras razões que impediram que o centro da meta de inflação (4,5%) tivesse sido atingido. Poderia começar fazendo um preâmbulo onde diria que o centro da meta de inflação também foi ultrapassado mundo afora: dentre 28 países que seguem o regime de metas de inflação, 13 deles ultrapassaram o teto da meta.
Talvez seguisse apontando que depois de tantos anos do suposto fim da indexação persistam tantos preços amarrados à inflação passada. É o caso da maioria das tarifas dos serviços públicos, do parcelamento do imposto de renda na declaração de ajuste e de uma miríade de outros preços. A indexação remanescente não causa inflação, mas torna mais difícil o seu combate. Talvez falasse também da alta das commodities no mercado internacional. Essa alta se transmite para os preços no atacado e daí para os produtos que usam esses bens como matérias-primas. Cabe aqui o mesmo comentário do fim do parágrafo anterior.
É possível que a essa altura dissesse que política fiscal continuou frouxa, três anos depois da crise de 2008. Melhor indicador disso é a persistência do déficit nominal das contas públicas de 2011, a despeito do aumento da carga tributária, ano após ano.
Quem sabe, diria depois que a demanda continuou muito aquecida pela expansão do crédito público, a despeito do aumento do recolhimento dos depósitos compulsórios dos bancos comerciais que inibiu na outra ponta a expansão dos empréstimos do sistema bancário.
Por fim, que diferença faz, na prática, se a inflação foi de 6,5% ou 6,6%? A meta não era de 4,5%? Pensando bem, por que a meta é tão alta, como se devêssemos nos resignar a conviver sempre com a inflação? Que papel desempenha uma inflação como essa em nossa economia? Por que os países desenvolvidos têm metas de inflação em torno de 2% e nós não?
Mais importante seria perguntar, como tenho insistido nesse espaço, se as medidas macroprudenciais, postas em prática para controlar o descontrole fiscal no ano eleitoral de 2010, não teriam limitado o crescimento a menos de 3%. Ou se a queda dos juros, na expectativa de uma crise que até agora não impactou a economia brasileira, era de fato necessária, dadas as pressões inflacionárias nesse início de ano.
Essas são questões que infelizmente ficaram à margem, enquanto nos divertíamos em questionar a imensa sorte do governo pelo fato de a inflação não ter ultrapassado o teto da meta.
[Este artigo foi originalmente publicado no "Diário do Comércio", de São Paulo.]