Diário da Rússia

Roberto Fendt

A recaída malthusiana

A história se encarregou de mostrar que a inventividade humana criou tecnologias que permitem superar a previsão de Malthus

Quando sequer é possível equacionar satisfatoriamente o menor dos problemas da zona do euro, com novas demandas do governo grego procrastinando indefinidamente um acordo entre as partes, é salutar ouvir que haja quem se debruça sobre o problema e busca alternativas. Foi o que procurou fazer André Lara Resende, um dos formuladores do Plano Cruzado, em artigo recente publicado no jornal “Valor Econômico” e em entrevista ao jornal “O Globo”.

Logo de início ele afirmou que já não é mais possível procurar retomar o crescimento, através de gastos públicos e estímulos ao consumo, para superar a crise e o elevado endividamento público. Esse foi o remédio sugerido pelo economista inglês John Maynard Keynes em meio à Grande Depressão da década de 1930. O remédio, aplicado originalmente nos Estados Unidos durante o governo Roosevelt, tornou-se a ortodoxia da política econômica até pelo menos a década de 1970.

Indicativo da dominância das ideias, embora algo deturpadas de Keynes, dominantes nas políticas econômicas dos países desenvolvidos, em 1965 foi atribuído a Milton Friedman – que viria a receber o Prêmio Nobel de Economia por sua contribuição à contrarrevolução keynesiana – ter afirmado que “somos todos keynesianos hoje”. Embora Friedman tenha desmentido a afirmação dois meses depois de publicada na revista “Time”, não deixou de todo de dar a tônica dos tempos, ao corrigir a afirmação a ele atribuída para “em certo sentido, somos todos keynesianos hoje; em outro, ninguém é mais keynesiano”.

O que está sendo descartado são os resquícios do intervencionismo contido nas tentativas de reativar as economias em crise simplesmente produzindo déficits fiscais – sem atentar que são problemas de outra ordem que impedem a retomada do crescimento. Esses problemas estão na raiz da falta de dinamismo das economias europeias e estão relacionados justamente com o intervencionismo estatal e a rigidez dos mercados, especialmente dos mercados de trabalho.

Infelizmente, a primeira afirmação de Lara Resende, correta, é complementada por outra, que diz que não temos mais a capacidade de continuar a crescer nos padrões habituais para uma população de mais de sete bilhões de pessoas. Tentar proporcionar a todos o padrão de vida dos mais bem aquinhoados esbarraria “nos limites físicos do planeta”.

Se assim for, haverá somente duas alternativas: ou os benefícios da civilização material ficarão restritos a poucos, ou a produção existente será distribuída igualmente a todos. A primeira opção provocará a revolta dos despossuídos; a segunda, matará os incentivos para produzir mais e estender os benefícios do progresso a todos. Não haveria outra opção?

A ideia da finitude de recursos, especialmente dos recursos naturais, é das mais arraigadas no imaginário humano. O tempo nos parece escasso e a própria vida de cada um de nós nos parece lamentavelmente curta. A despeito de vivermos no melhor momento (até agora) da história da humanidade, com a maior expectativa de vida de nossa espécie em todos os tempos, sentimos falta de quase tudo que desejamos.

É a percepção da escassez que nos induz à ideia da finitude dos recursos. Contudo, a mesma escassez tem sido, ao longo da história humana, a chave para a superação da “finitude” dos recursos.

Dizemos que algo se torna “escasso” quando aumenta seu custo. O petróleo tornou-se a mais importante fonte de energia fóssil quando o custo de extração e transporte do carvão tornou mais econômico o uso do petróleo.

Hoje, obter petróleo se tornou mais caro que no final do século 19, quando ele praticamente brotava do chão no Oriente Médio. Por essa razão, tornou-se econômico introduzir alternativas, como os biocombustíveis. Veículos elétricos ainda não são economicamente competitivos com os que usam combustíveis líquidos, mas logo o serão.

Do ponto vista relevante, o econômico, o que importa não são os recursos, mas os serviços demandados pelos consumidores, que utilizam recursos em sua produção. Demandamos transporte e, em razão disso, combustíveis. Se uma determinada fonte de energia se tornou mais cara (“escassa”, “finita”), buscamos alternativas – quer já disponíveis, quer fruto da criatividade humana via progresso tecnológico.

Diante da nossa dificuldade em diagnosticar as causas da persistência da crise e em encontrar até agora solução satisfatória para ela, muitas vezes temos uma “recaída malthusiana”.

Thomas Malthus (1766-1834) publicou em 1798 e 1803 seus dois “Ensaios Sobre o Princípio da População”. Neles, afirmava que a população crescia em progressão geométrica e a produção de alimentos em progressão aritmética. Somente o aumento da mortalidade poderia compensar o descompasso entre as duas taxas de crescimento.

A história encarregou-se de mostrar que a inventividade humana criou tecnologias que permitiram superar essa previsão. A produção de alimentos hoje está limitada pela demanda, não a demanda pela oferta de alimentos.

O mesmo se aplicará a todos os demais recursos “esgotáveis”, que deixarão de ser utilizados muito antes do esgotamento de suas reservas físicas, substituídos que serão por outros recursos. Afinal, a idade da pedra não acabou por falta de pedras.

[Este artigo foi originalmente publicado no "Diário do Comércio", de São Paulo.]

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