Roberto Fendt
A taxa de juros neutra e a política fiscal
A queda mais pronunciada dos juros deve dar-se mais à frente, se e quando ficar claro que a inflação realmente está convergindo para o centro da meta
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A taxa de juros “neutra” – a que permite sustentar o crescimento sem provocar aumento na inflação – voltou na última semana ao centro das atenções. Até então, julgava-se que o valor nominal dessa taxa estaria em torno de 9%, mas agora se acredita que a taxa neutra possa ser menor, talvez em torno de 8%. O que teria levado os formuladores da política econômica a apostar em uma taxa de juros neutra ainda menor?
Dois eventos parecem estar por trás dessa revisão.Do lado externo, a mudança de orientação do Banco Central Europeu, injetando liquidez no mercado para expandir o crédito e retomar o crescimento na área do euro; a ela agrega-se a determinação do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, de persistir atuando na mesma direção, pelo menos até 2013.
Do lado interno, há uma interpretação de que a política fiscal tornou-se contracionista em 2011 e que assim permanece. Em razão disso, a ênfase sobre a taxa de juros como praticamente o único instrumento de controle da inflação poderia ser atenuada, com o BC reduzindo paulatinamente a meta da taxa Selic.
Em apoio à ideia de que a política fiscal é contracionista são alinhados vários argumentos. Primeiro, que o setor público cumpriu com folga a meta de superávit primário de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo, decorrente do primeiro, que a dívida líquida do setor público caiu de 39,1% do PIB em 2010 para 36,5% do PIB em 2011. Seriam esses claros indicadores de responsabilidade fiscal.
Quanto ao primeiro argumento, é preciso recordar que, se forem excluídos das receitas os pagamentos de dividendos e concessões, o saldo primário cai para somente 2,5% do PIB. Além disso, que a carga tributária bateu novo recorde em 2011, situando-se em 36,2% do PIB – dois pontos de percentagem a mais que em 2010. Esse resultado deveu-se ao fato de a arrecadação de tributos federais, em 2011, ter alcançado R$ 969,9 bilhões – um aumento real de 10,1%, descontada a inflação de 6,5%. Esse aumento real foi superior em mais de três vezes o crescimento do PIB.
Apenas a título de comparação, enquanto em 2008 a carga tributária brasileira já estava em 34,4%, no mesmo ano ela chegava a 17,6% no Japão, 20,4% no México, 23,5% na Turquia e 26,9% nos Estados Unidos. Países com carga tributária superior à nossa em 2008, como Reino Unido (35,7%), Alemanha (36,4%) ou Suécia (47,1%), têm saúde e educação públicas de primeiro mundo para toda a população, diferentemente do nosso caso.
Quanto ao segundo argumento é suficiente observar que, do ponto de vista de equilíbrio fiscal, a situação piorou em 2011, quando o setor público gerou um superávit primário de apenas R$ 128,7 bilhões, enquanto a conta de juros no ano foi de R$ 236,7 bilhões. A diferença, o déficit nominal, foi de R$ 108 bilhões. Para cobrir a diferença, a dívida bruta aumentou em R$ 232,1 bilhões, financiada em parte pela emissão de títulos públicos no valor de R$ 179,2 bilhões.
Os conceitos de déficit nominal e de dívida bruta, sistematicamente ignorados nos comunicados oficiais, são os realmente relevantes, já que é o déficit nominal que requer emissão de títulos para seu financiamento, aumentando a dívida; e é sobre a dívida bruta, e não da líquida, que incidem juros, pagos, em parte, pelo aumento da carga tributária que incide sobre os cidadãos e em parte pelo aumento da dívida bruta.
O BC têm argumentos para fundamentar uma queda na taxa de juros e não precisa a cada momento nos contar uma história diferente para justificá-la. Em agosto do ano passado, o argumento era uma enorme crise que se avizinhava. Decorridos seis meses, ela não deu o ar de sua graça e, espera-se, não venha a fazê-lo. Agora, o argumento é enorme – a liquidez internacional; ocorre que com ela já convivemos desde 2009. Não há nenhuma novidade nisso.
Bastaria ao BC argumentar com o diferencial entre as nossas taxas de juros e as correspondentes taxas praticadas do mercado internacional. Esse enorme diferencial explica a valorização do câmbio, reduz a competitividade de nossas exportações e, em parte, a perda de dinamismo do setor industrial.
Do ponto de vista financeiro, tampouco faz sentido manter um diferencial tão grande. Os recursos estão vindo liquidamente do exterior, e não sendo liquidamente repatriados.
Evidentemente, há um limite à queda interna dos juros, ditado pela expectativa de desvalorização cambial e pelo risco país, de um lado, e pela inflação do real, de outro. A queda mais pronunciada dos juros deve dar-se mais à frente, se e quando ficar claro que a inflação realmente está convergindo para o centro da meta.