Roberto Fendt
Os americanos devem ficar fora da Síria
Há pelo menos três argumentos para que os Estados Unidos não se envolvam militarmente na Síria
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Leitor escreve e pergunta minha opinião sobre o conflito na Síria. Mais especificamente, pergunta se os Estados Unidos e as nações membros da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) deveriam intervir militarmente para depor um ditador sanguinário. Afinal, foi o que fizeram na Líbia. O que estaria em jogo na Síria seria a expansão da democracia, e essa parece ser a política americana desde o início da Primavera Árabe.
É claro que há fortes razões para se pôr fim ao massacre que ocorre no país. Já há mais de sete mil mortos desde o início dos protestos. Não há consenso com relação ao que fazer entre os membros do Conselho de Segurança da ONU, onde a Rússia e a China vetaram resolução condenando o presidente sírio e exigindo que deixasse o poder. Fracasso semelhante ocorreu com a missão da Liga Árabe.
Se razões humanitárias não bastassem, há também razões geopolíticas para se pôr fim ao conflito. A Síria ocupa posição estratégica no Oriente Médio, tendo como vizinhos a Turquia, o Iraque, a Jordânia e Israel. Uma situação beligerante em seu território não interessa a quase ninguém.
Há pelo menos três argumentos para que os Estados Unidos não se envolvam militarmente na Síria. Dois deles são de natureza prática.
O primeiro, evidentemente, é o custo de uma intervenção militar, isolada ou em parceria com seus aliados e, eventualmente, com a Liga Árabe. As diversas experiências anteriores de intervenções militares americanas – Bósnia, Iraque, Afeganistão, Líbia – tiveram como consequência a explosão do déficit fiscal do país. Com a nova estratégia dos EUA de concentrar seu poderio militar no Pacífico, a última coisa que poderiam contemplar seria o emprego de parte dessas forças no Oriente Médio.
Quanto à Liga Árabe, há sérias dúvidas se os seus países membros estariam interessados em enviar suas forças armadas para combater as forças armadas sírias.
Além disso, a experiência recente de apoio à derrubada pela força de governos ditatoriais no Norte da África mostrou-se francamente desastrosa. Com a possível exceção da Tunísia, Líbia e Egito estão longe de se mostrarem exemplos de democracia.
No caso da Líbia, o que resultou após a derrubada de Kadhafi foi a instauração de uma “bellum omnium contra omnes”, uma guerra hobbesiana de todos contra todos. O país está à mercê de diversas milícias que impõe a “ordem” à sua maneira e de acordo com seus objetivos. Não há democracia que conviva com a ausência do Estado de Direito, o que hoje ocorre na Líbia.
No Egito, a Irmandade Muçulmana venceu as eleições, com a simpatia mais ou menos velada da administração Obama. Há sinais claros de intolerância dos vencedores com grupos minoritários. Não são sinais claros de que a democracia, como a entendemos no Ocidente, está a caminho de tornar-se o sistema político a vigorar no Egito.
Portanto, se algo pode ser dito da política americana frente à Primavera Árabe, é que francamente os resultados são muito magros diante das expectativas geradas.
O terceiro argumento diz respeito a quem interessa uma situação beligerante na Síria. De fato, há um interessado no agravamento do conflito. Mais, há um interessado em uma intervenção militar americana no país: a Al Qaeda.
Como apontou corretamente Kamran Bokhari, no Stratfor Global Intelligence, o objetivo de longo prazo da Al Qaeda é a derrubada dos governos árabes e a instauração, ou talvez se devesse dizer, o retorno, a um califado transnacional fundamentalista em todos os países árabes.
A tática da Al Qaeda tem sido consistentemente praticar atos terroristas que levem à intervenção americana na região. Os jihadistas esperam que intervenções do tipo das que os americanos promoveram no Iraque e no Afeganistão desagúem em levantes populares que derrubem os governos árabes e permitam, eventualmente, a sua tomada do poder.
Se é fora de propósito o envio de tropas americanas à Síria, tampouco fará sentido a criação de uma zona de exclusão, como foi feito no Iraque, imposta pela força aérea americana. Ela fracassará sem o apoio da Rússia e da China no Conselho de Segurança e com a oposição do Irã – que não tem qualquer interesse em ter aviões americanos armados voando perto de sua fronteira.
Com uma eleição presidencial à vista e com a retirada das tropas americanas no Iraque, motivada, ainda que não exclusivamente, pela eleição, não faz sentido retirar tropas do Iraque e simultaneamente envolver a força aérea americana na Síria.
Se a percepção da administração Obama com relação aos eventos na Síria levar em conta os argumentos aqui alinhados, o resultado prático de toda a discussão será muita retórica e pouca ação: os EUA não interferirão na crise síria e deixarão aos próprios sírios a solução de suas desavenças.