Roberto Fendt
Os bárbaros entre nós
De nada serve buscar do lado de fora a origem dos problemas criados pela crise grega
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Como se esperava, o acordo entre o governo grego e seus credores, embora tenha chegado a bom termo a ponto de criar as condições para o desembolso do pacote de ajuda de € 130 bilhões, deixou mais perplexidades que certezas.
A despeito de três anos de queda do PIB e um desemprego que supera os 20%, e da perda de parte expressiva do valor de mercado dos ativos dos credores, não se vislumbra uma redução significativa da dívida grega nos próximos anos. O programa de ajuste certamente implicará em novas quedas do PIB no horizonte previsível, o que dificilmente contribuirá para reduzir a relação dívida/PIB – o parâmetro de solvência do devedor geralmente acompanhado.
Um grande número de analistas bate agora na tecla de que teria sido melhor deixar a Grécia quebrar há dois anos. As consequências para a zona do euro e para a solidez do sistema bancário seriam menos afetadas que por uma possível incapacidade do país em dar prosseguimento ao programa de ajuste após as eleições. Porque ninguém, em sã consciência, acredita que quem se apresentar defendendo o ajuste possa ganhar as eleições.
Muitos desses analistas comparam a tragédia da Grécia ao que ocorreu nos turbulentos anos 500 a 700 de nossa era, que se seguiram à queda do Império Romano do Ocidente. Hordas de bárbaros chegavam às muralhas das cidades e se impunham aos habitantes, sob a ameaça do saque e da matança dos moradores. Ou ao ocorrido a tantas outras guerras ao longo da História, onde a barbárie emergiu entre combatentes, em outras circunstâncias, civilizados.
A “Troika” – União Europeia, Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional – e os bancos credores vêm sendo vistos por alguns analistas como os “bárbaros” que sitiam a Grécia. Teriam sido esses bárbaros os responsáveis pela penúria do povo grego, e que exigem dela agora o que ela não tem condições de pagar.
A analogia com os bárbaros sitiando a cidadela não é de todo ruim, e dela me utilizei em coluna de novembro passado nesse espaço. Particularmente, se a analogia com os bárbaros for a interpretada por Konstantinos Kavafis, poeta nascido em 29 de abril de 1863 na comunidade grega de Alexandria e falecido na mesma cidade em 29 de abril de 1933.
No seu poema mais conhecido, “À Espera dos Bárbaros”, Kavafis nos fala do povo reunido na praça esperando a chegada hoje dos bárbaros.
Os senadores não legislam, porque melhor o farão os bárbaros tão logo cheguem. O imperador se senta em seu trono à porta principal da cidade com seus melhores paramentos e coroa, à espera dos bárbaros, pronto a saudar o chefe deles.
Os dois cônsules e os pretores portam suas togas de púrpura e seus anéis de brilhantes e esmeraldas, porque os bárbaros chegam hoje e a majestade das togas e dos anéis os deslumbram. Já não mais falam os oradores, porque seus discursos os aborrecem.
No entanto, já se faz noite e os bárbaros não chegam. A população se inquieta e se preocupa. A aumentar a ansiedade, as notícias que chegam da fronteira dão conta de que não há mais bárbaros.
E assim Kavafis termina o seu poema, em poucas palavras dizendo tudo: “Sem bárbaros o que será de nós? Ah! Eles eram uma solução”.
Na verdade, não havia necessidade de esperar os bárbaros: eles sempre estiveram entre a população. Foram esses bárbaros gregos que endividaram o país e prometeram o paraíso na Terra ao povo crédulo. Foram eles que forjaram os números da economia para justificar a continuidade da gastança financiada pelos empréstimos.
Os banqueiros não sitiaram a cidade. Não havia necessidade: continuaram encastelados além da fronteira, onde foram procurados pelos bárbaros. E emprestaram os recursos, certos de que, no momento da insolvência, seriam socorridos pelos governos e pelos organismos multilaterais. Cabe a eles a inglória tarefa de impor a disciplina que faltou desde o início.
É totalmente inútil discutir se teria sido melhor a Grécia quebrar antes ou socorrê-la três vezes, e tantas outras vezes quantas for necessário. Uma quebra antes, desorganizada, talvez provocasse um estrago maior ao próprio país.
Também é ociosa a discussão se é possível ou não à Grécia ajustar-se dentro de um regime democrático. O país se ajustará, de uma forma ou de outra, mais cedo ou mais tarde. O que se deve discutir é o custo para a população das duas alternativas.
Finalmente, de nada serve buscar do lado de fora a origem dos problemas criados pela crise grega. Porque os bárbaros não chegarão, pela simples razão de que sempre estiveram entre eles e não podem ser invocados como solução.