Roberto Fendt
A importância da imprensa livre no Brasil e no mundo
Vitória do jornal Clarín será o triunfo da liberdade
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Se me fosse dado decidir se deveríamos ter um governo sem jornais ou jornais sem um governo, não hesitaria por um momento sequer em preferir o último. A frase não é minha, mas de Thomas Jefferson, um dos artífices da Constituição americana, em carta a Edward Carrington, datada de 1787. E disse mais Jefferson: "A única segurança de todos reside em uma imprensa livre. A força da opinião pública não pode ser enfrentada quando pode ser livremente expressa". Não se trata de retórica ou de frases de efeito. Acabamos de vivenciar aqui, no episódio do julgamento do mensalão, como a imprensa livre permitiu que os cidadãos se inteirassem das acusações e acompanhassem o processo passo a passo.
Governos autoritários abominam a liberdade de imprensa. Seja porque, como disse Lord Acton, o poder absoluto corrompe absolutamente, seja porque é da essência do absolutismo não tolerar críticas, por menores ou bem intencionadas que sejam. É da natureza desses governos ser assim, simplesmente. A liberdade de expressão que temos aqui não contagia alguns de nossos vizinhos nessa sofrida América Latina. Na Venezuela e no Equador, as dissidências são reprimidas e a imprensa controlada. Agora, há o risco de o mesmo vir a acontecer na Argentina. Não se trata de caso novo. Os embates entre o Grupo Clarín, maior grupo de mídia da Argentina, e a presidente Cristina Kirchner datam de, pelo menos, 2008, quando a recém eleita presidente impôs impostos de exportação ao agronegócio argentino. As consequências da medida foram desastrosas e o Clarín tomou o partido dos produtores rurais.
O passar do tempo azedou ainda mais as relações entre o grupo jornalístico e o kircherianismo e sua presidente. A senhora presidenta optou por não expor ao debate as razões em favor de sua política econômica. Talvez porque não haja razões que justifiquem o crescente protecionismo comercial ou a maquiagem das estatísticas que disfarçam o fracasso de uma política econômica trágica.
Em lugar disso, o governo optou por cercear progressivamente a liberdade de imprensa. No ano passado, estatizou a empresa Papel Prensa, única produtora de bobinas de papel para impressão de jornais, que tinha como maiores acionistas os grupos Clarín e La Nación. Não tendo atingido seu objetivo de calar a imprensa independente, a senhora presidenta obteve do Congresso argentino, cujo partido ela controla, a chamada Lei de Mídia, que tem por objetivo fragmentar os grupos de comunicação do país – leia-se aí os grupos Clarín e La Nacion , seus principais opositores. A data limite estabelecida pelo governo para que isso ocorresse foi o último dia 7. Para surpresa da senhora presidente e de seus partidários, a Justiça argentina impediu que se consumasse a manobra. O governo argentino pretendia levar o caso da primeira instância, onde está sendo discutido, diretamente para a última, a Suprema Corte.
Essa pretensão foi também rechaçada. O Clarín argumenta que a lei de mídia é inconstitucional, especialmente quatro artigos da lei, nomeadamente os de número 41, 45, 48 e 161. Este último não está em vigor para a empresa em razão de medida cautelar da Justiça recentemente estendida. Evidentemente, o governo argumenta pela constitucionalidade de toda a lei e fez uma representação junto à primeira instância nesse sentido. O juiz Horacio Alfonso, dessa Corte, tem 40 dias para manifestar-se. Tudo indica, com o final do ano e o recesso do Judiciário se aproximando, que a solução do embate está transferida para 2013.
Esse estado de coisas no país vizinho deve ser motivo de preocupação para nós. Conformamos, com a Argentina, Paraguai e Uruguai, o Mercosul, que tem como uma de suas premissas a democracia a vigir no grupo. Deixei de fora da enumeração a Venezuela, cuja adesão ao Mercosul tem sua legalidade questionada pelo Paraguai. Aliás, foi com base em suposta violação das normas democráticas que o Paraguai foi "suspenso" das deliberações do Mercosul até abril do próximo ano, quando deverá realizar eleições presidenciais.
A Constituição de 1988 assegura ampla liberdade de expressão em nosso país. A liberdade de imprensa é pedra basilar da liberdade de expressão. Ela não é garantida pela "vigilância" das autoridades contra supostos exercícios de poder monopolístico na imprensa, mas pela livre concorrência entre os diversos atores que participam nesse mercado. A vitória do Clarín será a vitória da liberdade. Sua derrota reforçará os ímpetos de cerceamento da liberdade de expressão no continente, já visível em vários países, e em franca oposição à onda democrática que envolveu o continente na década de 1980.
Este comentário do economista Roberto Fendt foi originalmente publicado no Diário do Comércio, de São Paulo.