Roberto Fendt
Bolsas-família, lá e cá
Aqui, como nos Estados Unidos, há um sentimento generalizado de que programas de rede de proteção social desincentivam o trabalho
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Muitos consideram o Bolsa Família brasileiro o maior programa de redistribuição de renda do mundo. Há razões para isso. Trata-se de um programa de transferência direta de renda para famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza no país, que assiste mais de 13 milhões de famílias com renda per capita familiar inferior a R$ 70 mensais. O custo do programa gira em torno de R$ 15 bilhões.
Os valores dos benefícios pagos pelo Bolsa Família variam de acordo com as características de cada família, que levam em conta a renda mensal familiar per capita, o número de crianças e adolescentes de até 17 anos, de gestantes e de nutrizes. Suas condicionalidades objetivam fazer com que os beneficiários consigam superar a situação de vulnerabilidade em que se encontram.
Não é novidade que os Estados Unidos administram um programa de assistência alimentar – aliás, há décadas. Também não é novidade que esse programa é abrangente e atende uma parcela considerável das pessoas de baixa renda e em situação de pobreza no país. Talvez o fato novo seja a grande expansão da cobertura do programa desde 2007.
O Programa de Assistência Nutricional Alimentar (Supplemental Nutrition Assistance Program – NAP, na sigla em inglês), anteriormente conhecido como "Food Stamps", assiste hoje 48 milhões de pessoas. Os gastos dos beneficiários correspondem agora a quase 14% das vendas das cadeias de supermercados do país. O NAP atende pessoas de baixa renda residentes nos Estados Unidos com um custo total, em 2012, estimado em US$ 74,6 bilhões. Cada beneficiário recebe em média US$ 134 por mês de assistência alimentar.
O programa começou em 1939, quando os EUA ainda padeciam as consequências da Grande Depressão do início da década. Ao longo dos seus primeiros quatro anos atendeu 20 milhões de americanos, a um custo total de US$ 262 milhões.
Desde 1961 o crescimento do número de beneficiários foi surpreendente: meio milhão de beneficiários por ano em 1966, dois milhões em 1967, três milhões em 1969, quatro milhões em fevereiro de 1970 e cinco milhões no mês seguinte, 10 milhões em 1971 e 15 milhões em 1974. Em 1979 a participação ultrapassou 20 milhões, e chegou a 28 milhões em 1994.
Diversas reformas ocorridas em meados da década de 1990 reduziram o número de beneficiários. Até a crise financeira de 2007-08, o programa atendia pouco mais de 20 milhões de pessoas e os gastos dos beneficiários correspondiam a pouco mais de 6% do total das vendas dos supermercados. Em decorrência da crise, a assistência através do NAP expandiu-se consideravelmente a partir de então, assistindo hoje 15% da população americana.
O recente crescimento dos assistidos nos EUA indicaria que há uma parcela da população americana, depois de mais de 70 anos de existência do NAP, que não consegue sair da situação de vulnerabilidade diante de choques econômicos? Ou, ao contrário, atestam a necessidade do programa, já que a situação de vulnerabilidade não mudou ao longo dos últimos 70 anos?
Aqui, como nos Estados Unidos, há um sentimento generalizado de que programas de rede de proteção social, como os bolsas famílias, desincentivam o trabalho. Estudos americanos mostram que, consistentemente com a teoria, ocorreram reduções no emprego e no número de horas trabalhadas com a introdução e expansão do NAP – mas esse efeito parece ser pequeno.
No Brasil o mesmo efeito foi detectado. Os resultados dos estudos apontam em geral para um efeito negativo sobre as decisões de participar no mercado de trabalho. Esse efeito não parece ser suficiente, contudo, para justificar o temor de que o programa reduzisse de forma significativa a participação no mercado de trabalho. Em particular, parece estar ocorrendo um aumento da oferta de trabalho das mães, decorrente do aumento da frequência escolar dos filhos e da redução do trabalho infantil. Os estudos existentes parecem indicar, portanto, que os efeitos sobre a decisão de trabalhar ou não, dos assistidos pelos programas, são pequenos, aqui e nos Estados Unidos.
Programas dessa natureza poderiam se justificar caso preparassem as famílias em situação de maior vulnerabilidade para enfrentar situações de forte desaceleração econômica. A experiência recente do programa americano parece indicar que esse não é o caso, dada a permanência de uma parcela expressiva da população dependente do programa depois de 70 anos e do fato de que o número de assistidos dobrou no curto lapso de quatro anos.
Eliminar essa longa dependência de 70 anos do NAP nos Estados Unidos e os riscos de que ela se instale aqui é o grande desafio desses programas.
[Este artigo do economista Roberto Fendt foi originalmente publicado no “Diário do Comércio”, de São Paulo.]