Diário da Rússia

Roberto Fendt

O novo mínimo e suas consequências

Melhor faria o governo se mantivesse o valor real do salário mínimo e que se aumentasse a eficácia dos gastos públicos focalizados em políticas sociais.

Com a inflação correndo solta, é natural que surjam preocupações com os possíveis efeitos, sobre o índice, do aumento do salário mínimo em 9%. Especialmente porque já se espera uma aceleração da inflação no início do ano. Essas preocupações não são novas e se manifestam sob a forma de diversos argumentos. Um deles, expresso em 2011, afirmava que o aumento do salário mínimo injetaria R$ 9 bilhões adicionais em 2012 no consumo das famílias. Com esse aumento da demanda, ficaria mais difícil fazer a inflação convergir para o centro da meta. Outro argumento, centrado na natureza do processo inflacionário, ignora o impacto do reajuste sobre a demanda agregada da economia e aponta que o reajuste do mínimo aumenta a rigidez da inflação e impede sua desaceleração. Além disso, os chamados serviços livres são intensivos de mão de obra e compõem cerca de um quarto dos preços incluídos no IPCA. O aumento do mínimo influencia fortemente os preços desses serviços. Dentre eles, somente os prestados por empregados domésticos, que recebem um ou múltiplos do mínimo, pesam 3,53% no IPCA.

O estado da economia também acarretaria consequências do reajuste sobre os preços. O impacto na inflação dependeria do grau de aquecimento da economia no início de 2013 e ao longo do ano. Com a taxa Selic fixada em 7,25% por um período longo e indefinido, e com as contas fiscais francamente expansionistas, a elevação de 9% poderia produzir uma aceleração adicional da inflação.

Finalmente, argumenta-se que a regra de reajuste do mínimo contribui para manter a indexação na economia, com todos os seus efeitos colaterais negativos. Mas, do lado positivo, ter fixado em lei a fórmula de reajuste elimina as incertezas de empregados e empregadores quanto ao tamanho do aumento.

O que se pode dizer com relação a esses argumentos? Em primeiro lugar, este aumento não injeta qualquer montante de dinheiro na economia. É apenas uma reposição do poder de compra do mínimo (e de seus múltiplos) decorrente da inflação ocorrida entre dois reajustes.

Situação diferente ocorreria se tivesse ocorrido uma expansão monetária para, por exemplo, financiar o déficit público. Nessa situação, haveria mais dinheiro na praça e a mesma produção. O ajuste da economia à nova situação de excesso de liquidez se daria pelo aumento dos preços.

O argumento de que o aumento do mínimo torna a inflação mais rígida também não se sustenta. Essa rigidez decorre sempre de um persistente excesso de demanda em relação à oferta da economia, excesso este financiado pela expansão monetária.

Com o controle da expansão monetária, um reajuste do mínimo apenas mudaria os custos das atividades intensivas em trabalho nessa faixa de remuneração relativamente às demais.

Finalmente, a indexação da economia é indesejável, já que reduz a flexibilidade dos preços. Com isso, ajustes de preços que poderiam ocorrer em resposta a fatos novos na economia passam a ser feitos com aumento ou redução na atividade econômica. Por exemplo, se há excesso de oferta de mão de obra não qualificada, um aumento na sua remuneração induziria as empresas a substituir a mão de obra mais cara por máquinas e equipamentos – magnificando o problema original.

Qualquer empresa tem, naturalmente, um incentivo a contratar mais empregados até o ponto em que o salário pago não exceda o valor da contribuição do empregado ao faturamento da empresa. Ao concentrar a atenção nos efeitos do aumento do mínimo sobre a inflação, a análise deixa de fora outros aspectos importantes.

O salário mínimo legal e universal ignora as diferenças nos valores das produtividades dos trabalhadores entre as empresas. Os maiores perdedores com esse sistema de reajuste são os jovens, as mulheres e minorias de toda natureza – simplesmente porque, ao fixar o valor pago aos empregados, as empresas passam a discriminar os candidatos por outras características que não o salário.

O salário mínimo legal, uniforme no plano federal e variável entre estados, contribui para manter metade da nossa mão de obra trabalhando na informalidade, quer nos serviços domésticos, quer em parte da construção civil, para mencionar apenas dois grandes segmentos do mercado de trabalho no país.

Por fim, reduziu-se nos últimos anos a efetividade de aumentos reais do salário mínimo como instrumento de redução da pobreza extrema. Melhor faria o governo se mantivesse o valor real do salário mínimo, uma vez que não pode aboli-lo, e que se aumentasse a eficácia dos gastos públicos focalizados em políticas sociais.

[Este artigo do economista Roberto Fendt foi originalmente publicado no “Diário do Comércio”, de São Paulo.]

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