Diário da Rússia

Roberto Fendt

Uma questão de azar?

As reformas estruturais sempre adiadas estão travando nosso crescimento

Alguns atribuem os resultados econômicos do Brasil no ano passado à má sorte. Indicador de má sorte: tivemos duas sextas-feiras 13 em 2012. Este ano teremos somente uma, no mês de setembro, em lugar das duas no ano anterior. Assim, por esse indicador, as coisas deverão ser melhores em 2013.

Mas os maus resultados decorreram somente de má sorte? No comércio exterior diz-se que ela em tudo contribuiu para um resultado ruim: a persistência da crise internacional, com a retração dos volumes exportados; a queda internacional dos preços de algumas de nossas principais commodities de exportação; o acirramento do protecionismo em alguns dos nossos principais mercados para manufaturados; o aumento da concorrência dos produtos chineses e a generalizada perda de competitividade dessas exportações nos principais centros compradores.

Examinemos cada um desses argumentos. A crise financeira começou em 2007 e aprofundou-se no segundo semestre de 2008. Quando a economia mundial iniciou a retomada, ela se mostrou desigual e frágil. Mas muitos países emergentes, como Chile, Peru e Colômbia – além da China, naturalmente –, retomaram o crescimento após 2009. A média dos países emergentes cresceu 7,4% em 2010 e 6,2% em 2011. Projeta-se um crescimento em 2012 de 3,3% da economia mundial e de 5,3% das economias emergentes. Não são resultados espetaculares, mas tampouco se justifica dizer que são responsáveis por nosso mau desempenho.

Em segundo lugar, embora o crescimento das economias avançadas tenha sido de apenas 1,6% em 2011 e se projete um crescimento de 1,3% em 2012, não foram esses países os maiores culpados pela queda das exportações. Nos primeiros nove meses do ano, o valor delas para a América Latina reduziu-se a menos da metade do exportado no mesmo período do ano anterior. A queda no valor exportado para a Argentina superou a redução observada nos embarques para toda a União Europeia.

De fato, pela ordem e por blocos econômicos, as maiores perdas ocorreram na América Latina, União Europeia, Ásia, Europa Oriental, Oriente Médio e África. Os Estados Unidos foram o único bloco econômico para o qual nossas exportações cresceram nos primeiros onze meses do ano, com 6,6% de acréscimo. Fica difícil culpar a continuidade da crise nos países desenvolvidos pela queda das exportações brasileiras.

É correto apontar que o protecionismo argentino explica boa parte do baque das exportações de manufaturados, particularmente de veículos, calçados, carnes e outros alimentos, bem como vestuário. É correto e irônico, já que a Argentina é o principal parceiro do Brasil no Mercosul – um bloco comercial criado para eliminar todas as barreiras ao comércio entre seus membros. Mas a Argentina, que se gaba de manter taxas chinesas de crescimento, não é parte da crise econômica internacional.

Uma parcela importante da queda no valor das exportações se deve à redução dos preços de algumas de nossas principais commodities de exportação. O preço médio das exportações atingiu seu pico em agosto de 2011 e, de lá para cá, não para de cair. A perda, nesse período, foi de 11% até outubro, com algumas quedas dramáticas, como a do minério de ferro. Foi principalmente a queda no preço desse item que redundou na diminuição das vendas para a China, hoje nosso principal parceiro comercial e responsável por 30% do valor da pauta de exportação brasileira.

Com relação ao volume exportado, a tendência não é tão nítida. O índice de volume atingiu seu maior valor recente no mesmo mês de agosto de 2011, mas tem flutuado bastante nos meses subsequentes. De acordo com o último dado disponível (outubro daquele ano), o volume exportado caiu 9%. Tanto a queda nos preços como a do volume exportado podem ser creditadas em parte à persistência da crise nos países desenvolvidos – mas não somente a ela.

Finalmente, e ao contrário da experiência dos anos recentes, aumentou em 2012 a competitividade das exportações de manufaturados – em larga medida pela expressiva desvalorização do real frente ao dólar observada a partir de abril do ano passado. Uma medida importante da competitividade, a relação câmbio-salários, apresentou melhoria de mais de 11% no ano. Não deixa também de ser irônico que a competitividade tenha aumentado no ano em que se retraíram as exportações, embora esse aumento ainda não tenha sido suficiente para recolocar o comércio exterior no caminho do crescimento.

Em lugar de imaginar que estamos sendo perseguidos pela má sorte de uma crise internacional sem fim, talvez fizéssemos melhor se atentássemos que as reformas estruturais sempre adiadas estão travando nosso crescimento – não só do comércio exterior, mas em todas as atividades econômicas do país.

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