Diário da Rússia

Roberto Fendt

O jogo dos sete erros

Por trás da ameaça de falta de energia há erros que não vêm sendo adequadamente expostos

Não sei se ainda se publicam os "jogos dos sete erros". Eles consistiam em dois desenhos, colocados lado a lado, com mínimas diferenças entre eles. O jogo consistia em descobrir essas diferenças. O que parecia igual era de fato diferente. Pois bem. Corremos um risco, por enquanto de difícil avaliação, de falta de energia. O governo nega de forma peremptória que o risco exista e que possa vir a ser necessário um racionamento. Mas, se não chover rápida e suficientemente, o risco crescerá. A capacidade instalada das termelétricas não será capaz de atender à demanda, ainda que operando a plena carga. Por trás da ameaça de falta de energia há, por analogia com o jogo, sete erros que não vêm sendo adequadamente expostos. O desenho da realidade não combina com o desenho da retórica oficial.

O primeiro erro não tem nada a ver com o atual governo ou seus antecessores. Tem a ver com todos nós. Trata-se de termos aceitado o falso ambientalismo irracional aplicado à construção das barragens responsáveis pela parcela maior da oferta de energia elétrica. Um sistema calcado em fontes hídricas pode valer-se de duas tecnologias. O primeiro consiste em usinas hidrelétricas a fio de água (run of the stream power plant), em que a oferta de água é abundante, regular e em grande volume todo o ano, não há necessidade de barragem para armazenar água. A eletricidade é gerada pelo fluxo de água passando pelas turbinas.

Não é esse o caso da disponibilidade hídrica na maior parte do país. A segunda tecnologia que permite assegurar que haja água no volume suficiente para gerar energia todo o ano consiste nas usinas hidrelétricas de acumulação, com grandes reservatórios de água. Três Marias e Furnas são exemplos desse tipo, em que não ocorrem problemas de falta de água para geração.

O erro, portanto, foi aceitar o reclamo do falso ambientalista contra os reservatórios que inundam grandes áreas e conservam a água para geração. As usinas mais recentes têm reservatórios para o uso corrente e estão com o volume de água próximo de níveis críticos. O trágico dessa decisão é aceitar agora a emissão de gases decorrentes da queima de óleo combustível em usinas térmicas.

O segundo erro, decorrente do primeiro, foi o atraso na construção de novas barragens. O início das obras ficou pendente da concessão de licenças ambientais, cujo processo decisório mostrou-se irritantemente longo e avesso à transparência. O terceiro erro, a partir dos dois primeiros, foi a necessidade de utilizar mais intensamente as usinas térmicas para complementar a geração hídrica. Corremos agora o risco de escassez de óleo combustível e gás para outros usos, já que vêm sendo utilizados prioritariamente para a geração de energia.

O quarto erro foi o anúncio da redução do preço da energia ao consumidor em meio ao verão que se aproximava e à queda da disponibilidade de água nas usinas. Há duas formas de racionar o uso de um produto escasso: por preço ou por quantidade. O preço é o melhor sinalizador de escassez e seu aumento induz voluntariamente a redução da demanda. A alternativa é o racionamento quantitativo da energia disponível. O anúncio da redução do preço sinalizou abundância na oferta de energia, em lugar da escassez.

O quinto erro, que induziu o quarto, foi a falta de informação à senhora presidente do tamanho do problema que se avizinha. Não é possível imaginar que só após o anúncio da redução do preço na ponta do consumo se tenha constatado que falta água para a geração. O sexto erro decorrerá de voltarmos a crescer 3% ou 4% em 2013. Se crescendo em torno de 1% o consumo está no limite da capacidade de geração hídrica, como atenderemos a demanda por energia com taxas de crescimento maiores?

Finalmente, o sétimo erro diz respeito ao futuro. A confusão decorrente do anúncio das novas regras para a renovação das concessões na área elétrica criou a percepção, certa ou errada, de instabilidade jurídica com relação ao respeito aos contratos. Com isso, retraem-se os investidores privados no setor elétrico e aumenta o risco que se queria evitar.

Vai se formando um consenso entre os analistas de que é preciso rezar para que chova e o problema se solucione sozinho. Rezar não faz mal. Mas devemos rezar também para que não haja queda no preço da energia, decorrente do maior uso das usinas termelétricas com maior custo de geração, para que o problema não fique ainda maior.

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