Diário da Rússia

Roberto Fendt

O tetralema da economia

Só há duas coisas irreversíveis na vida: a morte e os impostos. Tudo o mais pode ser mudado, preferivelmente para melhor

Roberto Campos certa vez referiu-se ao pentalema da política econômica – a impossibilidade de atingir-se simultaneamente cinco objetivos de forma conflitante.

Não creio que estejamos em situação similar, mas é possível identificar um tetralema na atual configuração dos objetivos e instrumentos da política econômica do governo, em que conflitam a retomada do crescimento, a redução adicional dos juros, a redução da inflação para o centro da meta e trazer de volta a flutuação do câmbio. 

O Banco Central deixou claro no seu último relatório de inflação que não é possível baixar mais a Selic, a taxa de juros básica da economia. Também não é possível valorizar o câmbio abaixo do piso, informalmente estabelecido pelo BC, de dois reais por dólar. Sem valorizar o câmbio e produzir um superávit fiscal compatível com uma menor pressão de demanda, torna-se difícil perceber como o Banco Central conseguirá levar a inflação para o centro da meta de 4,5% ao ano.

Sem estabilidade de preços e sem redução do desequilíbrio fiscal, além de uma mudança nos fundamentos das expectativas dos empresários, torna-se também difícil visualizar como retomaremos o investimento e o crescimento equilibrado.

A ata do Copom indica  a impossibilidade de reduzir o atual patamar da Selic. Mais que isso, porém, nela há o reconhecimento de que os instrumentos de política econômica são eficazes para atuar sobre a demanda, mas não sobre a oferta – o lado que interessa do ponto de vista do crescimento econômico.

A retomada do crescimento depende do aumento da capacidade produtiva em um primeiro momento, e da oferta de bens e serviços no momento seguinte – e não da expansão da demanda. E é preciso ter em mente que o primeiro efeito de uma expansão no investimento, que não ocorre há cinco trimestres consecutivos, será sobre a demanda de bens de capital e não sobre a capacidade produtiva. Essa só virá depois que  se completarem os investimentos que estão por realizar.

Reduzir mais a taxa de juros provavelmente não afetará a oferta, como mostra a experiência dos últimos sete meses de baixas consecutivas da Selic, determinadas pelo Copom. Mas arrisca acelerar a inflação, uma vez que  a taxa real de juros paga aos poupadores, após a incidência do imposto de renda sobre os ganhos da aplicação financeira, se tornaria negativa.

Em razão disso, e tendo em vista a forte aceleração esperada na inflação no primeiro trimestre, não há espaço para a redução da Selic no horizonte previsível. Sua manutenção será crítica para impedir que um aumento na demanda provoque um estrago ainda maior nos índices inflacionários no primeiro semestre do ano.

Os custos da indústria tiveram a maior alta no terceiro trimestre de 2012 desde 2008, segundo o índice apurado pela Confederação Nacional da Indústria.

Três fatores pesaram muito nesse aumento de custos e o principal deles é o aumento do custo dos insumos usados na produção. O segundo é o persistente aquecimento do mercado de trabalho, com a elevação do custo unitário da mão de obra. Por não estar sujeito à concorrência dos produtos importados, os preços e a remuneração do trabalho continuam aumentando – e esse aumento deságua também no custo da mão de obra empregada na indústria. Finalmente, o aumento do custo da energia também pesou negativamente sobre os custos industriais.

A desvalorização do câmbio ocorrida a partir do segundo trimestre do ano passado encareceu tanto o custo dos insumos, bens intermediários usados no processo de transformação industrial como o dos bens de capital empregados na indústria.

Se é verdade que a desvalorização do real reduziu a perda de competitividade das exportações de produtos industrializados e aumentou a margem de proteção dos produtos nacionais no mercado interno, ela teve também o efeito negativo de afetar o investimento.

Como já apontei nesse espaço, mais de uma vez, reduzir o superávit primário aumenta a demanda interna sem ter efeito positivo sobre a oferta. Sua principal contribuição, até agora, tem sido manter a inflação em um patamar elevado – que poderá superar o teto da meta de inflação ainda no primeiro trimestre deste ano.

Só há duas coisas irreversíveis na vida: a morte e os impostos. Tudo o mais pode ser mudado, preferivelmente para melhor.

É desejável que a senhora presidente venha a refletir sobre os resultados dos dois primeiros anos da política econômica de sua gestão. Dessa reflexão poderão resultar mudanças no modelo econômico ora praticado, em benefício de todos nós e do legado de seu mandato.

Este artigo foi publicado originalmente no “Diário do Comércio”, de São Paulo.

 

 

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