Diário da Rússia

Roberto Fendt

A volta da âncora cambial

Pior que errar é repetir erros já cometidos, aqui e em nossa vizinhança

Dois acontecimentos recentes parecem indicar que evitar que a inflação saia do controle passou a liderar a lista de prioridades do governo. O primeiro desses acontecimentos é a opção do governo de reverter a taxa de câmbio ao papel de âncora dos preços. O segundo decorre do reajuste dos preços dos combustíveis.

A partir da Medida Provisória 539, de 26 de julho do ano passado, o governo adotou uma nova política econômica para o país. Com ela, abandonou-se o cerne da política econômica do segundo mandato do Presidente FHC e do primeiro mandato do Presidente Lula: o tripé composto pela busca do centro da meta de inflação, o câmbio flutuante e a obtenção de superávits primários suficientes para manter sob controle a relação entre a dívida pública e o PIB.

Na atual gestão, diversas modificações foram introduzidas na política econômica. Primeiro, optou-se pela redução expressiva da Selic para retomar a atividade econômica. Com isso, a taxa básica de juros deixou de ser instrumento de controle da demanda e transformou-se em instrumento de aumento da oferta. Passado ano e meio do início da redução da Selic, não há qualquer indicação de que essa medida tenha sido bem sucedida.

Em decorrência da mudança na política de juros, tornou-se necessário alterar informalmente a taxa de inflação a ser perseguida, passando do centro (4,5%) para o teto da meta (6,5%) a inflação aceitável pelo governo. Por trás dessa aparente decisão estava o pressuposto de que a recessão mundial derrubaria os preços das commodities exportadas pelo Brasil e contribuiria para manter bem comportados os preços dos alimentos no mercado interno – o que não ocorreu.

Finalmente, o governo optou por substituir o regime de flutuação mais ou menos livre do câmbio pelo regime de bandas cambiais, notabilizado no Plano Real.

No ano passado, com o intuito de reduzir a penalização das exportações e o incentivo às importações, o governo mudou o patamar da taxa de câmbio de R$ 1,55 a R$ 1,60 por dólar que vigia no segundo trimestre de 2012 para o novo patamar de R$ 2,00 a R$ 2,10. Essa mudança acarretou uma desvalorização de 20% entre março e dezembro de 2012.

Desde a semana passada, contudo, o Banco Central passou a intervir com mão pesada no câmbio, na direção inversa. O resultado foi o rompimento do piso da banda informal do câmbio, com o real acumulando valorização de quase 3% no ano até o dia 29 deste mês. Segundo declarações das autoridades, trata-se de um reajuste de três preços-chave da economia – a taxa de juros, o câmbio e as tarifas de energia elétrica. Esse novo ordenamento desses preços favoreceria a recuperação dos investimentos ao baratear o custo dos bens de capital importados, medida essencial para a retomada do crescimento.

Uma outra forma de ver o que se passa enfatiza o papel da aceleração da inflação como motivador das mudanças. O IBGE divulgou na semana passada que o IPCA-15, indicador da inflação do mês de janeiro, saltou de 0,69% em dezembro para 0,88% em janeiro. Analistas apontaram que o salto da inflação seria ainda mais acentuado caso o crescimento fosse mais forte.

Com a Petrobras acumulando prejuízos a cada mês, chegou finalmente a hora de começar o reajuste dos combustíveis, fixos há vários anos. Os derivados de petróleo e a energia elétrica residencial têm pesos, respectivamente, de 5% e 3% no IPCA. Pelo impacto no IPCA, é difícil não associar a redução na tarifa de luz residencial com o aumento dos combustíveis nos postos de gasolina.

A inflação de janeiro já sinaliza o que já foi dito aqui nesse espaço: teremos um primeiro semestre de inflação acima do centro da meta e, em alguns momentos, acima do teto da meta. Isso, a despeito da postergação dos reajustes de algumas tarifas de serviços públicos solicitada por Brasília a alguns governadores e prefeitos.

Também não é possível dissociar a mudança na política cambial com esse esforço de segurar a inflação. Com a valorização do câmbio produz-se uma queda horizontal nos preços de todos os produtos importados, contribuindo para arrefecer a inflação.

O problema com essa estratégia, como tem exaustivamente apontado o Professor Delfim Netto, é sua incompatibilidade com uma estratégia de crescimento de longo prazo – além de ampliar novamente a volatilidade do câmbio e as incertezas do setor exportador.

É de todo questionável a retomada do modelo de âncora cambial para os preços, depois de comprovado seu fracasso em toda a América Latina. Pior que errar é repetir erros já cometidos, aqui e em nossa vizinhança.

[Este comentário do economista Roberto Fendt foi publicado originalmente no “Diário do Comércio”, de São Paulo.]

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