Diário da Rússia

Roberto Fendt

Margareth Thatcher: As ideias e suas consequências

Seu papel no fim do socialismo real, na União Soviética e na Europa Oriental, talvez seja seu principal legado

Lembrar Margaret Thatcher é lembrar também um grupo notável de líderes, que tanta falta nos fazem hoje. Margaret talvez tenha sido o maior expoente desse grupo, que inclui Ronald Reagan, João Paulo II, Václav Havel, Lee Kwan Yu (o pai da Singapura moderna), Deng Xiaoping (o arquiteto da transformação da China) e Natan Sharansky (o símbolo da dissidência na Rússia Soviética). 

Não vou repetir tudo o que já se disse a respeito dela, de sua formação no trabalho duro e princípios rígidos, de seus primeiros passos na política, da retidão com que levou adiante suas convicções, muitas vezes contra quase tudo e quase todos. Da mulher que, em um meio político de homens, subiu ao posto mais alto de governo no Reino Unido. De seus embates com os sindicatos, com sua falta de complacência com a inflação, com a defesa intransigente do que considerava parte do Reino Unido no Atlântico Sul. Uma mulher não somente de convicções, mas dotada da coragem de defendê-las.

Dela, os pósteros lembrarão que foi Maggie quem disse a Gorbachov: "We could do business" (Poderíamos fazer negócio) – implicando que caberia a ele pôr um fim ao império soviético. Seu papel no fim do socialismo real, na União Soviética e na Europa Oriental, talvez seja seu principal legado. Não que os pósteros venham a ignorar como ela tratou, e rejeitou, a proposta de entrada do Reino Unido na zona do euro, há exatamente 20 anos. Sábia decisão, que talvez tenha excluído o Reino Unido dos problemas que hoje assolam tantos países no continente. 

Por certo, recordarão a clareza de seu discurso e seu domínio dos temas quando entrava em discussão. Tudo isso é história, suficientemente conhecida. Gostaria aqui de prestar tributo à capacidade de Lady Thatcher em entender e colocar em prática ideias sobre a economia que ouviu e debateu com alguns dos gigantes do liberalismo econômico britânico. 

Comecemos essa história pelo princípio. Para acompanhar o processo de apreensão por Thatcher dos princípios que nortearam sua atuação na economia é preciso falar de Friedrich Hayek e Antony Fisher.

Thatcher frequentou regularmente reuniões no Institute of Economic Affairs (IEA), o Instituto de Assuntos Econômicos londrino, fundado por Antony Fisher sob inspiração de Friedrich von Hayek. Margaret conhecia o IEA de longa data e desde a década de 1960 lia suas publicações. Fisher, seu fundador, havia servido na Royal Air Force durante a Segunda Guerra Mundial e, ao fim dela, pretendia contribuir para dar fim à crescente perda de substância da economia britânica. 

Tendo tomado conhecimento do livro de Hayek, “O Caminho da Servidão”, por um sumário na revista “Seleções do Reader’s Digest”, Fisher procurou Hayek, a quem afirmou pretender entrar para a política para pôr em prática suas ideias. Hayek o desaconselhou, dizendo que ele seria mais justo à causa que defendia se criasse uma instituição devotada à geração de ideias e alternativas à marcha socializante no Reino Unido.

Assim nasceu o IEA e se formou um corpo de doutrina liberal baseado em menos governo, menos tributos e mais liberdade de escolha para consumidores, trabalhadores e empresários. Foi esse corpo de doutrina que permitiu a Margaret Thatcher, escolhida primeiro-ministro por seu Partido Conservador, assumir com um programa de trabalho completo.

Esse programa, combinando conceitos do liberalismo clássico do século 18 com princípios conservadores de Edmund Burke, Robert Peel e William Gladstone, deu a Thatcher um coerente programa de trabalho, com base no qual tornou-se a alternativa de livre mercado ao intervencionismo de seu antecessor, Edward Heath.

As palavras de Hayek a Fisher, no encontro em que o desencorajou a entrar para a política, foram proféticas: "Se você quer fazer mais por seu país, não entre para a política. Os políticos estão sempre atrasados em relação à opinião pública. E a opinião pública está sempre atrasada em relação à maré do pensamento intelectual. Tente mudar a opinião da elite intelectual." Trata-se, disse Hayek na ocasião, "de um processo que tomará de 20 a 30 anos".

Coube a Margaret Thatcher levar adiante essa mudança de opinião, não só da elite intelectual mas da maioria da sociedade britânica que escolheu o Partido Conservador e Thatcher sua primeira-ministra. Uma mudança que começou a germinar muito anos antes, quando Fisher encontrou Hayek e este lhe disse: "Ideias têm consequências."

 

 

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