Roberto Fendt
Endividamento e crescimento
Na medida em que a taxa Selic está em alta, a combinação de superávit menor com juros maiores não pode vir a comprometer o crescimento no futuro?
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Uma dívida pública elevada (como proporção do PIB) retarda o crescimento econômico? Não se trata de uma questão teórica ou de interesse meramente acadêmico. Trata-se de uma questão empírica, já que a teoria econômica não tem um receituário pronto para tratar da matéria aplicável a todos os países e em qualquer tempo. Dependendo da resposta dada à pergunta, diferentes políticas econômicas serão postas em prática para resguardar o crescimento.
Dois brilhantes economistas, Carmem Reinhart e Kenneth Rogoff, procuraram empiricamente estabelecer a relação entre a dívida pública e o crescimento do PIB. Não lhes falta competência para essa empreitada.
Carmem Reinhart é professora da Harvard Kennedy School. Sua tese de doutorado em Economia na Universidade de Columbia foi orientada por Robert Mundell, Prêmio Nobel de Economia de 1999.
Kenneth Rogoff é professor de Economia na Universidade de Harvard e foi anteriormente professor de Economia na Universidade de Princeton. E dirigiu o Departamento de Pesquisa do Fundo Monetário Internacional.
Juntos, Carmem Reinhart e Kenneth Rogoff publicaram um importante livro, "Desta Vez É Diferente: Oito Séculos de Loucura Financeira", em que historiaram as repetidas tentativas de governos dos mais diferentes matizes de se financiarem pela expansão do endividamento – com consequências nefastas em todos os casos.
Mais recentemente, a dupla publicou um artigo – "Crescimento em Tempos de Dívida" –, de enorme influência, primeiro no meio acadêmico e depois no meio político.
O artigo se baseou na análise estatística de 200 anos de dados sobre o PIB e a dívida pública, cobrindo dezenas de países. A conclusão do estudo pode ser sumariada na observação de que o crescimento do PIB é substancialmente menor quando a relação entre a dívida e o PIB ultrapassa 90% do que em situações em que essa relação é inferior a 90%.
No campo político, a conclusão do estudo de Reinhart e Rogoff teve enorme impacto. De um lado, serviu de base conceitual para a adoção de programas de ajustamento de países altamente endividados – como as economias da periferia da zona do euro. De outro, serviu para apoiar o Partido Republicano em seu debate com o Partido Democrata em torno da questão do orçamento dos Estados Unidos – matéria ainda pendente de decisão naquele país.
Na semana passada, as conclusões da dupla foram contestadas em artigo de um trio de professores menos conhecidos da Universidade de Massachusetts, em Amherst. São eles: Thomas Herndom, Michael Ash e Robert Pollin. A trinca argumenta que as conclusões da dupla original se devem a um simples erro estatístico e da planilha de cálculo utilizada no estudo.
Dada a repercussão do artigo original, não surpreende que a querela entre os economistas tenha se transferido do campo rarefeito da academia para os jornais de grande circulação dos Estados Unidos e da Europa.
Comentando a querela no “Financial Times”, Gavyn Davies faz diversas observações de interesse.
Primeiro, que a relação negativa entre endividamento e desaceleração do crescimento tem mais a característica de um contínuo do que de um colapso instantâneo quando a dívida atinge 90% do PIB.
Segundo, que o erro na utilização da planilha de cálculo influenciou pouco o resultado obtido.
Terceiro, que tanto os resultados obtidos pela dupla original como os da trinca de críticos mostram que altos níveis de endividamento contribuem para reduzir o crescimento do PIB, independentemente de o percentual crítico de 90% ser atingido e que esteve no centro do debate.
Em quarto lugar, também é importante reconhecer que a relação negativa entre as duas variáveis não nos diz nada a respeito do que causa o quê – isto é, se é o elevado endividamento que deprime o crescimento ou se a desaceleração do crescimento aumenta a relação entre dívida e PIB.
Finalmente, também deve ser apontado que não há qualquer razão para esperar que a relação entre as duas variáveis seja estável ao longo do tempo. Dependendo da fase do ciclo econômico em que se encontra uma economia particular, essa relação pode mudar.
O que se salva desse debate e que lição pode nos dar? Se há grande incerteza em escolher entre os argumentos dos dois lados, uma unanimidade entre as partes querelantes sobressai: endividamento alto não combina com forte crescimento econômico.
A dívida pública brasileira continua se expandindo, quando medida no conceito de dívida bruta. No nosso contexto, a questão relevante é saber se o nosso crescimento pode ficar comprometido pela expansão da dívida pública.
Sabemos que a redução do superávit primário impede que a dívida pública diminua; na medida em que a taxa Selic está em alta, a combinação de superávit menor com juros maiores não pode vir a comprometer o crescimento no futuro?
[Este comentário do economista Roberto Fendt foi originalmente publicado no “Diário do Comércio”, de São Paulo.]