Roberto Fendt
Putin e suas circunstâncias
O presidente se ressente da incompreensão do Ocidente com as necessidades geopolíticas da Rússia
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Em 1972, quando o presidente americano Richard Nixon fez sua histórica viagem à China, durante a qual se encontrou com o sanguinário ditador Mao Zedong, somente os setores mais conservadores da sociedade norte-americana protestaram. Os demais compreenderam que estava em curso um movimento histórico: a aproximação diplomática dos dois países atendia a um objetivo geopolítico das duas nações – a contenção do expansionismo soviético. A China, então, era ainda um país vulnerável em sua fronteira norte, estando ameaçada por uma potência muito mais poderosa.
Para contrarrestar outra ameaça, desta vez em sua fronteira sul, a China invadiu o Vietnã do Norte, em 1979,como uma resposta à invasão, pelos vietnamitas, do Camboja. Na época, o Vietnã era aliado da União Soviética, que supria os vietnamitas com ajuda militar.
Atualmente, preocupados com a ascensão econômica da China e com a provável expansão militar daquele país, os Estados Unidos aparentam, por suas ações, estar em busca de conter o que consideram um possível expansionismo chinês no futuro.
Muitos entendem a iniciativa americana de constituição de uma parceira econômica estratégica transpacífica – a TPP, Trans-Pacific Partnership – constituída em 2010 e em processo de consolidação, como parte desse processo de contenção.
A TTP é um amplo acordo comercial destinado a criar uma área de livre comércio envolvendo Estados Unidos, Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Cingapura, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru e Vietnã. Pretende também promover o investimento e promover a inovação, crescimento e criação de empregos nos países membros do acordo. Conspicuamente, a China não é parte do TTP.
Em função de todos esses desenvolvimentos, surpreende que não haja uma iniciativa que permita a melhor compreensão do presidente russo Vladimir Putin e de suas circunstâncias. Com toda razão, como observa com muita propriedade Robert Kaplan, a república russa sente-se vulnerável.
Putin foi, precisamente, quem melhor compreendeu essa vulnerabilidade, que decorre de vários fatores. Um deles é sua imensa extensão e baixa densidade demográfica – algo a acentuar-se no futuro, dada a população declinante.
A história tem também seu peso. Constituída de infindáveis planícies no ocidente até os Urais, a Rússia sofreu invasões desde sempre, quer por Carlos XII da Suécia em 1706, por Napoleão em 1812 e pela Wermacht em 1941.
Por tudo isso, Putin sempre sentiu a necessidade de antepor a potenciais inimigos Estados neutros ou sob seu controle de forma a constituir uma barreira inicial a qualquer iniciativa dessa natureza. Pelo mesmo motivo tem procurado manter a Ucrânia fora da União Europeia.
Putin, naturalmente, ressente-se da incompreensão do Ocidente com suas necessidades geopolíticas. Putin não é um ditador sanguinário como foram Stalin ou Mao Zedong, de quem os americanos se aproximaram em 1972. Se ele reprime a autonomia chechena, o faz pela mesma necessidade de minimizar sua vulnerabilidade na fronteira sul. Não foi por outra razão que a Rússia, antes de Putin, envolveu-se na desastrada invasão do Afeganistão.
Há quem veja na aproximação com a Rússia a inevitável consequência de uma contenção de um possível expansionismo da China. Contudo, como esperar essa aproximação, se a retórica do Presidente Barack Obama para com Putin e a Rússia está centrada unicamente em exortações ao respeito de direitos humanos e à ampliação da democracia no país?
Putin é um autocrata, como o foram todos os governantes russos. Mas não é um ditador nos moldes de Mao Zedong. É a melhor opção que as circunstâncias de uma sociedade profundamente patrimonialista, como o é a sociedade russa, pode ter.
Qualquer diálogo proveitoso entre a Rússia e os Estados Unidos e seus aliados depende de que esses tomem por base os seus interesses, mas levando também em consideração os interesses geopolíticos da Rússia e as circunstâncias de seu representante, o Presidente Putin.
[Este artigo foi originalmente publicado no “Diário do Comércio”, de São Paulo.]