Roberto Fendt
Escócia independente
A História, às vezes, cobra seu preço, e em alguns casos ele é alto
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Ao contrário do que supunha Francis Fukuyama, o fim da História não se seguiu à queda do Muro de Berlim e ao fim do socialismo real. Nem os benefícios da crescente globalização foram capazes de apagar aspirações nacionais de autonomia, suprimidas em todo o período da Guerra Fria.
Se a fragmentação da antiga Iugoslávia talvez seja o exemplo mais marcante, em outros países europeus permanece latente o espírito regional de secessão. Persiste a vontade de autonomia na Valônia belga e na Catalunha e País Basco espanhóis, por exemplo. O mesmo se passa com o Reino da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte.
Separações amigáveis nem sempre ocorrem – nos casamentos e nos países. Mas isso aconteceu quando a Tchecoslováquia foi dividida em dois países por um plebiscito. A separação das várias nacionalidades da antiga Iugoslávia, porém, produziu muito sangue, dor e sofrimento. A História, às vezes, cobra seu preço, e em alguns casos ele é alto.
Os escoceses se preparam para votar, em referendo marcado para 18 de setembro próximo, se permanecem ou não como parte da Grã-Bretanha. Busca-se ali uma separação amigável. Embora uma secessão seja um evento político, é difícil imaginar que a economia possa ser ignorada pelos eleitores. Inglaterra e Escócia formam hoje uma economia fortemente integrada.
Uma estimativa do Tesouro britânico aponta que nos próximos trinta anos as exportações de uma Escócia independente para o restante do Reino Unido decresceriam mais de 80%. As exportações inglesas para Escócia também seriam reduzidas em um percentual semelhante.
O Partido Nacional da Escócia (PNE), que tem orientação socialdemocrata, pretende a independência para promover mudanças substanciais na política e na economia do país. Seu objetivo é criar um consenso social e econômico similar ao dos países escandinavos e da Alemanha.
No entanto, afirmam alguns, o PNE almeja o melhor de dois mundos. De um lado, quer uma nova relação federativa com a Inglaterra para obter autonomia suficiente e declarar-se independente. De outro, pretende continuar mantendo certas instituições inglesas, como a moeda comum e o Banco da Inglaterra como seu banco central.
Ora, tanto a teoria como a História mostram que não é possível ter ao mesmo tempo autonomia política e uso de instituições comuns com outro país, como a moeda e o banco central.
Exemplo histórico disso é o da antiga Tchecoslováquia. Quando o país foi desmembrado, tchecos e eslovacos optaram por constituir uma união monetária. Trinta e três dias depois, a união desmoronou, afetando de maneira negativa a economia dos dois novos países.
Também as realidades dos dois países britânicos sugerem que seria mais realista para a Escócia criar a sua própria moeda e instituir o seu próprio banco central.
Parece ingênuo supor – exceto no caso da formação de uma explícita federação entre os dois países – que a Inglaterra possa partilhar sua moeda e seu banco central com uma nação independente.
Diferentemente da Inglaterra, na Escócia o sistema bancário está exageradamente alavancado. Seus empréstimos correspondem a doze vezes o PIB do país. Somente para efeito de comparação, ressalte-se que às vésperas da crise bancária na Islândia os empréstimos de seu sistema bancário correspondiam a algo em torno de seis vezes o PIB.
Não há qualquer razão para que o Banco da Inglaterra socorra os bancos de um país independente no evento de uma corrida bancária. Da mesma forma, não há nenhuma razão para que a Inglaterra venha a ter o rating de sua dívida rebaixado caso uma crise rebaixe a dívida escocesa.
Para que a Inglaterra aceitasse ter sua moeda e banco central também servindo a Escócia, a política fiscal precisaria ter de ser centralizada e dirigida de Londres, com um orçamento comum de receitas e despesas. O endividamento dos dois países não poderia ser autônomo, caso contrário as políticas monetária e fiscal divergiriam.
Talvez um olhar sobre as políticas monetária e fiscal brasileiras ilustre os riscos que corre a Escócia com o seu referendo. Antes da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), os Estados de nossa Federação formavam uma "união monetária", mas tinham autonomia fiscal e de endividamento. Seus excessos de gastos financiados pelo endividamento requeriam frequente socorro do governo central.
A situação não está uma maravilha atualmente, já que a Lei de Responsabilidade Fiscal não se aplica integralmente. Entretanto, conseguimos evitar grandes explosões dos endividamentos estaduais.
O problema, no caso brasileiro, é que, contrariamente à Inglaterra, o governo central não é capaz de controlar as suas próprias contas.
[Este artigo foi originalmente publicado no “Diário do Comércio”, de São Paulo.]