Roberto Fendt
Por que a inflação não cede
Quem sabe, em 2015 e 2016, seja possível iniciar um combate mais eficaz à inflação
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As opiniões de economistas especializados em inflação mostram que há convergência quanto à natureza da alta dos preços e o que fazer para debelá-la. No centro do debate está a eficácia da política monetária como instrumento de combate à inflação. Por que, dada uma política monetária mais restritiva, a inflação teima em não cair?
Alguns dados mostram a magnitude do problema. O centro da meta de inflação está fixado em 4,5% ao ano desde 2005. No entanto, a inflação média do período situou-se bem acima da meta, em 5,3%. E no período mais recente, que engloba os últimos quatro anos, a média pulou para 6%. Não somente a inflação é alta, mas parece acelerar com o passar do tempo.
Pode parecer que tanto faz que a inflação anual seja de 4,5% ou 6%. Não é bem assim. A média dos preços subiu 60% com a inflação ocorrida entre 2005 e 2013. Essa alta teria sido de 70% caso a taxa anual tivesse sido de 6% ao ano.
Além disso, a alta dos preços não foi uniforme. Alguns subiram mais do que outros, como ocorre em períodos de inflação alta. Esta hoje tem dois componentes distintos.
O primeiro deles reúne os chamados preços livres, formados no mercado e dependentes do comportamento das políticas monetária e fiscal.
O segundo componente engloba os preços controlados que, por definição, não refletem as forças de oferta e demanda na economia. Alguns deles, como os dos combustíveis e as tarifas de transporte urbano, pela sua importância na composição do índice de inflação, puxam a média da alta dos preços para baixo. A "verdadeira" inflação, portanto, está subestimada.
O aumento no segmento de serviços, que não estão sujeitos a controles de preços, dá forte indicação de que esse seja o caso. Em 2013, a alta desses preços foi de 7,3%, bem superior à média da inflação ocorrida no ano.
Tudo isso ocorre apesar de um substancial aumento da taxa Selic, o instrumento de controle utilizado pelo Banco Central na sua política monetária. Desde o início do atual ciclo de aumento dos juros, iniciado em abril de 2013, a Selic subiu de 7,5% para 10,5%.
Se identificarmos esse processo de alta da Selic com uma política monetária mais apertada, por que a inflação não cedeu, decorridos dez meses do início do aperto? Estaríamos, como pensam alguns, diante de uma situação de ineficiência da política monetária para combater a inflação?
Parece haver grande convergência entre os economistas de que não é esse o caso. Não se trata de admitir que haja um nível "natural" para a inflação brasileira, em torno de 6% ao ano. Nossa própria experiência mostra que inflações altas tendem a acelerar-se. Não está muito longe o tempo em que a inflação mensal rondou os 30%.
Trata-se, antes, de reconhecer que a política monetária é menos eficiente diante de uma política fiscal francamente expansionista. E de levar em conta que a política econômica tem sido mais recentemente errática, com grande redução da taxa de juros e sua posterior elevação. A credibilidade do Banco Central tem sido vítima dessa volatilidade no manejo do instrumento monetário.
Também deve ser levado em conta que a indexação da economia não desapareceu após o Plano Real. Todo ano o salário mínimo é reajustado por uma fórmula que repõe a inflação do ano anterior, acrescida da variação do PIB real de dois anos antes. O reajuste do salário mínimo tem impacto maior sobre os preços dos setores mais intensivos em mão de obra. É isso que explica, em grande parte, o maior crescimento dos preços dos serviços.
Mas a indexação não se esgota no aumento do mínimo. Um grande número de contratos, como os de aluguel, são reajustados anualmente pela variação de algum índice, como o IGP-M. Esse reajuste realimenta a inflação e requereria que o Banco Central elevasse a Selic para patamares ainda mais altos que os atuais – tendo um forte impacto negativo sobre a atividade econômica.
Finalmente, a experiência brasileira mostra também que a inflação depende em parte das próprias expectativas dos agentes econômicos. Não é coincidência que as expectativas de inflação, mostradas semanalmente no Boletim Focus para 2014 e 2015, estejam em torno de 5,5% e a inflação média nos últimos anos tenha sido de 5,3%.
Derrubar essas expectativas exige uma política fiscal percebida pelos agentes econômicos como mais restritivas e que apoie a política monetária mais conservadora posta em prática pelo Banco Central. Mas esperar que isso ocorra justamente em ano eleitoral é sonho de verão. Quem sabe, em 2015 e 2016, seja possível iniciar um combate mais eficaz à inflação.
[Este artigo foi originalmente publicado no “Diário do Comércio”, de São Paulo]