Diário da Rússia

Roberto Fendt

O plano que deu certo

Passados vinte anos e a despeito de diversos desvios ao longo do curso, os benefícios do real estão à vista de todos

É motivo de júbilo para todos os brasileiros que o Congresso Nacional tenha comemorado em sessão especial os vinte anos do Plano Real na terça-feira, 25 de fevereiro. O Plano Real transformou a vida dos brasileiros. Antes, com a inflação beirando os 40% ao mês, quem dispunha de reservas em dinheiro aplicava diariamente no overnight e obtinha retorno maior que a inflação. O restante da população, o povo em geral, amargava uma perda de mais de 1% ao dia no resultado de seu trabalho. O Plano Real mudou tudo isso.

A URV – Unidade Real de Valor –, que constituiu a espinha dorsal do Plano Real, comemorou 20 anos. Havia que pôr um paradeiro à inflação que corria a uma velocidade surpreendente, mesmo para nós brasileiros. Foi o que fez o Plano Real. Esquecemos todas as tentativas anteriores e fracassadas de parar a inflação. Esquecemos também quem se opôs ao Plano. Passados vinte anos, já vai longe o tempo da hiperinflação com que convivemos.

Tudo mudou com o Plano Real. Com muita sobriedade, o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso acertou ao afirmar que o Plano Real só deu certo devido à plena adesão da população à URV. Ele sublinhou, especialmente, a velocidade com que a sociedade percebeu que a URV manteria o poder de compra da moeda e permitiria colocar fim à hiperinflação, que destruía o poder de compra do dinheiro e a renda real do trabalhador.

Mas não foi fácil chegar à fórmula simples que permitiu transformar uma inflação mensal de 40% em junho de 1994 em uma inflação anual de 1,6% em 1998. Expediente semelhante já havia sido aplicado antes, com sucesso.

A Alemanha havia experimentado uma hiperinflação infinitamente pior que a brasileira em suas consequências. Lá, em outubro de 1923, a inflação mensal atingiu o incrível patamar de 29.500%, equivalente a uma inflação diária de quase 21%. Visto por outro ângulo, em 1922 um pão custava 163 marcos; em setembro de 1923, no auge da hiperinflação, o preço havia subido para um milhão e meio de marcos.

As pessoas recebiam seus proventos duas vezes ao dia e corriam para comprar o que fosse possível adquirir antes que a perda do poder de compra de seu trabalho fizesse evaporar o dinheiro. Coube a Hjalmar Schacht encontrar a fórmula salvadora para dar um fim à espiral inflacionária que corroía a renda do trabalhador e desorganizava a economia alemã.

No caso brasileiro, se nada fosse feito, poderíamos facilmente caminhar também para um processo hiperinflacionário. E observe-se que a hiperinflação alemã não é um exemplo isolado. Em março de 1990, a inflação na Argentina atingiu o assombroso patamar de 197%. Em agosto de 1990, a inflação mensal chegou a 397%. Casos ainda piores também ocorreram na Grécia e na Hungria depois da Segunda Guerra Mundial.

Aqui não faltou quem se opusesse ao Plano Real. Leonel Brizola, então candidato a presidente da República, comparou o Plano Real a um "cálice envenenado", um "remendo" que desestruturaria ainda mais a nossa economia.

O PT também apostou no fracasso do Plano e opôs-se tenazmente a ele no Congresso Nacional. Em 29 de junho de 1995, o partido votou em bloco contra a medida provisória do real. Tendo perdido na votação, impetrou no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o plano. Posteriormente, depois da edição da Lei de Responsabilidade Fiscal, procurou impugná-la naquele mesmo tribunal.

O povo, contudo, apoiou entusiasticamente o plano. A URV, lançada em 28 de janeiro de 1994, serviu como unidade de conta que acompanhava diariamente a desvalorização da moeda brasileira promovida pelo Banco Central. Todos os preços, a partir de 1.º de janeiro de 1994, passaram a ser cotados tanto na moeda nacional como na URV. Rapidamente as pessoas se habituaram à fixidez dos preços marcados em URVs. Passar da URV para o real incorporou à nova moeda as propriedades adicionais de meio de troca e reserva de valor.

O Plano Real e posteriormente a tríade composta pela Lei de Responsabilidade Fiscal, meta de superávit primário para as contas públicas e câmbio flutuante constituíram a herança bendita herdada de seu antecessor pelo Presidente Lula. Foi a principal virtude de Lula manter o arcabouço econômico recebido e escolher uma equipe econômica qualificada para manter a estabilização da economia.

Passados vinte anos e a despeito de diversos desvios ao longo do curso, os benefícios do real estão à vista de todos.

Melhor, o Plano deu certo, e impediu que suas premissas fossem violentamente rejeitadas, a despeito de alguns que gostariam de repelir a Lei de Responsabilidade Fiscal, das intervenções do Banco Central no mercado de câmbio e dos que teimam em afirmar que é preciso reduzir o superávit fiscal para acelerar a economia.

[Este artigo foi originalmente publicado no “Diário do Comércio”, de São Paulo.]

 

 

 

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