Diário da Rússia

Roberto Fendt

As novas não são boas, e as boas não são novas

O comércio exterior pode novamente tornar-se o motor de crescimento de que carecemos – se formos capazes de aproveitar essa oportunidade

Para quem já tem problemas com uma economia que não cresce; com uma inflação que não baixa; com o câmbio que valoriza e desvaloriza; e com os juros que não param de subir, só faltavam agora problemas na balança comercial brasileira.

Pois é justamente o que está acontecendo. Em março, pela primeira vez neste ano, a balança comercial teve resultado positivo, mas não há motivos para comemorações. Trata-se do pior resultado para um mês de março desde 2001.

O problema não se restringe a março. Nos primeiros três meses do ano, o saldo acumulado está negativo em mais de US$ 6 bilhões. A queda no déficit na conta de petróleo não ajudou, já que o saldo negativo das demais mercadorias mais que compensou esse ganho. No geral, aumentaram os gastos com a importação de bens de consumo e caíram as exportações.

Deveríamos esperar um resultado diferente? Como de hábito, atribui-se o ocorrido a fatores fora de nosso controle. Um deles é o desempenho de nossos parceiros comerciais. O pior desses é o da Argentina, para onde vai grande parcela de nossa exportação de veículos. A recessão lá está se transformando em pátios das montadoras cheios aqui.

Diz-se que o estado recessivo da economia não se restringe ao parceiro do Mercosul. Ele também se estenderia à maioria dos parceiros europeus. Para completar, a economia chinesa teria desacelerado acentuadamente seu crescimento. E que, dentre os principais destinos de nossas exportações, somente o mercado dos Estados Unidos mostraria alguma recuperação, ainda incipiente.

Não é o que nos diz o insuspeito FMI em seu último relatório sobre a economia mundial publicado em janeiro último. Nele, o Fundo afirma que a economia mundial fortaleceu-se no segundo semestre do ano passado e que deve continuar a recuperar-se em 2014 e 2015.

De fato, suas previsões são de um crescimento global de 3,7% em 2014 e de 3,19% em 2015 – muito superiores aos esquálidos índices de crescimento brasileiros. Se essas projeções se materializarem, o comércio exterior pode novamente tornar-se o motor de crescimento de que carecemos – se formos capazes de aproveitar essa oportunidade.

Atribui-se também o mau desempenho do comércio exterior à queda dos preços de nossas principais commodities de exportação. É verdade que os preços das commodities recuaram com relação aos patamares de 2012, mas também é fato que os índices de preços UBS Bloomberg CMI, S&P GSCI e Dow Jones UBS mostram forte recuperação desde o início de janeiro.

Finalmente, se de fato a recessão argentina – gerada por suas próprias políticas econômicas – reduz nossas vendas de automóveis para o país vizinho, o que nos impede de ampliar nossas vendas para os países da Aliança do Pacífico, Chile, Peru, Colômbia e México? Protecionismo deles ou fatores limitantes internos nossos?

Se quisermos, podemos continuar a culpar fatores fora de nosso controle por nosso mau desempenho. Mas, se estivermos dispostos a olhar de frente a questão, teremos que reconhecer que as causas também estão aqui dentro.

Nossas exportações de produtos manufaturados perderam competitividade. Muitos fatores influenciam essa perda. Entre esses está o câmbio. Enquanto o Banco Central continuar a atuar no mercado para utilizar o câmbio como instrumento de controle da inflação, padecerá a competitividade.

Mas há fatores estruturais que vão além do câmbio. A globalização introduziu no comércio internacional as cadeias globais de valor, também conhecidas como cadeias de suprimento – redes que englobam as empresas que participam de todas as etapas de formação e comercialização de um produto.

Quase metade do novo avião de transporte KC-390 é produzido em Portugal. Na indústria automotiva nacional a participação das peças nacionais é de 45%. Os diversos componentes que entram na composição de um grande número de produtos industriais são hoje produzidos em diversos países, de acordo com a vantagem comparativa na produção de cada um deles.

A ideia de conteúdo nacional tornou-se ultrapassada. Há oportunidades ilimitadas para produzirmos aquilo em que temos vantagens comparativas e importarmos o que não temos. E, ao integrar-nos nas cadeias globais de valor, participarmos ativamente da nova divisão do trabalho nas atividades industriais.

Essa mudança de orientação não produzirá efeitos imediatos. Mas criará as bases para uma inserção competitiva do país na economia mundial e contornará, naturalmente, os problemas que hoje temos na balança comercial.

[Este artigo foi originalmente publicado no “Diário do Comércio”, de São Paulo]

 

 

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