Diário da Rússia

Roberto Fendt

A inflação sob controle?

A inflação não está descontrolada, mas as conversas nas filas dos supermercados mostram que ela já pesa bastante

Equivoca-se a senhora presidente quando diz que a inflação é momentânea e está sob controle, como afirmou na última sexta-feira em Porto Alegre. Referindo-se ao aumento de 0,92% no IPCA em março e tendo em mente os preços dos alimentos, disse que "enquanto alguns preços sobem, outros caem".

A afirmação é correta, mas não muda o fato de que a inflação deu um salto no mês passado. A inflação de março, extrapolada para os próximos 12 meses, é o maior índice para um mês de março desde 2003 e corresponde a uma inflação anual de 11,6%.

É claro que não se espera que esse percentual venha a se materializar nos 12 meses seguintes. Mas serve de indicação de que a inflação está acelerando, em lugar de manter-se estacionária.

O fato de que os preços dos alimentos estão puxando a média da inflação não serve de consolo, muito pelo contrário. Em primeiro lugar, como já se observou, os preços dos alimentos vêm crescendo à taxa média de 9% ao ano nos últimos cinco anos. Há, portanto, algo de estrutural nos aumentos desses preços, e esses aumentos não são momentâneos.

Diversos fatores explicam essa persistente alta. Do ponto de vista das pressões vindas do exterior, os preços internacionais voltaram a subir a partir de janeiro deste ano. Em algum momento poderão jogar mais lenha na fogueira dos aumentos de preços.

Para alguns produtos alimentares, as exportações contribuem para reduzir a oferta ao mercado interno e provocam naturalmente alta nos preços aqui. É o caso, por exemplo, das exportações de carne. O crescimento do volume exportado não tem sido compensado pelo aumento da oferta interna.

Do ponto de vista interno, a demanda está subindo com o aumento da renda dos estratos de menor poder aquisitivo da população. Mas isso não esgota a pressão sobre os preços dos alimentos. Também os custos de produção estão aumentando no campo, com a crescente formalização dos contratos de trabalho, o aumento do salário mínimo acima do crescimento do PIB nominal e a migração de trabalhadores para o setor urbano.

Finalmente, a senhora presidente tem parcialmente razão quando atribui ao clima os problemas atuais. Mas isso explica somente parte da elevação dos preços e tão-somente neste ano. Não explica a alta continuada nos últimos cinco anos.

Há diversas consequências a observar da alta dos preços dos alimentos. A primeira delas é que um persistente aumento desses preços não fica represado no setor agrícola. Os gastos com alimentação correspondem a um quarto do total das despesas da população. Não somente afetam para cima o IPCA, mas também os demais índices de preços apurados.

Alguns desses índices servem de indicador para o reajuste de contratos com prazo superior a 12 meses. É o caso do IGP-M, utilizado para reajustar a maioria dos contratos de aluguel. Do ponto de vista dos consumidores, o impacto sobre a renda é, portanto, maior que o explicado pela alta dos preços dos alimentos.

Muitas tarifas de serviços públicos são também corrigidas por índices em que o aumento dos preços da alimentação também pesa. O conjunto desses reajustes vai se espalhando pela economia como um todo e vai tornando cada vez mais difícil trazer de volta para o centro a meta de inflação.

Há quem afirme que a inflação continua sob controle e que tanto faz se a inflação fica em 4,5% ou 6,5%. Os dados mostram que a inflação mensal do IPCA vem flutuando em uma faixa compreendida entre zero e 0,9%. Por esse critério, seria possível concordar com a hipótese de controle inflacionário.

A questão é que o IPCA leva em conta tanto preços controlados – "monitorados", no jargão oficial – como preços formados no mercado, "preços livres" no mesmo jargão. A variação desses preços nos últimos anos situa-se em uma faixa mais ampla, cujo teto é de 1,2% ao mês, justamente o percentual observado em março último.

Os preços controlados oscilam em torno de 0,4% ao mês, com valores mínimo e máximo de zero e 1%. Em março, os preços controlados caíram 0,02%, contribuindo para que o IPCA oficial não ultrapassasse 1%.

O que ocorrerá quando os preços controlados buscarem o seu leito natural? Há um percentual a ser recuperado em relação ao que teria sido o preço de mercado, sem o controle governamental. Em que patamar ficará a inflação quando isso ocorrer em 2015?

A inflação não está descontrolada. Mas as conversas nas filas dos supermercados mostram que, no bolso, ela já pesa bastante. Não seria desejável trazê-la de volta ao centro da meta, aliviando o bolso dos consumidores?

[Este artigo foi originalmente publicado no “Diário do Comércio”, de São Paulo.]

Tags: câmbio rublo, desenvolvimento econômico, finanças, inflação, rússia