Roberto Fendt
O que se vê e o que não se vê
No Dia do Trabalho, Dilma Rousseff anunciou um pacote de bondades
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No Dia do Trabalho a Presidente Dilma Rousseff anunciou um pacote de bondades que incluiu o reajuste do valor da Bolsa Família, uma pequena correção da tabela do imposto de renda e o compromisso de continuar a política de valorização do salário mínimo.
Para a senhora presidente, o aumento real do salário mínimo tem sido um "instrumento efetivo" para diminuir a desigualdade. É claro que a promessa de continuar a valorizar o salário mínimo traz consigo a hipótese de que ela será reeleita. Reeleita ou não, não é pacífica a ideia de que o aumento real do mínimo seja instrumento efetivo para reduzir a desigualdade da distribuição de renda. Há algumas coisas que se veem e outras que não se veem, tanto no que diz respeito ao salário mínimo como com relação a quase tudo na vida. Com relação ao mínimo, entre 2003 e 2013 a sua valorização nominal foi de 182%. Porém, corrigido pela inflação, o poder de compra dele – o salário mínimo real – aumentou apenas 13,7%. Visto por outro ângulo, em média esse aumento foi de apenas 0,92% ao ano. É difícil dizer que ele tenha beneficiado tanto assim o padrão de vida do trabalhador que vive com esse salário. Em melhor situação podem ter ficado as pessoas que não mais trabalham e vivem de benefícios previdenciários, quer do INSS, quer dos programas de assistência social. Entre 2003 e 2013 o valor desses benefícios aumentou 27% acima da inflação. Por outro lado, segundo dados do IPEA, a renda média de todos os tipos de trabalho aumentou 33% no período em questão, aí incluídos também os rendimentos dos empregadores e dos trabalhadores por conta própria. Uma primeira conclusão que se pode tirar desses números é que a política de valorização do salário mínimo teve importantes efeitos distributivos, mas talvez não aqueles antecipados pelo governo. Trabalhadores que ganham mais que o mínimo, ou cujo salário não é um múltiplo do mínimo, parecem ter tido um ganho relativo maior. O mesmo se deu com os que não mais trabalham e vivem de transferências da previdência oficial. A chamada valorização do mínimo apenas impediu que o seu valor real se depreciasse. Se esses são os efeitos possíveis de ver e que se pode mensurar, quais os efeitos que não se veem? O primeiro deles é empurrar para o mercado informal pessoas cuja contribuição ao valor agregado do processo produtivo seja inferior ao salário mínimo acrescido de todos os encargos legais. Nenhum empregador estará disposto a contratar formalmente um novo empregado se esse não agregar ao processo produtivo um valor pelo menos igual ao salário mínimo mais os encargos. Trabalhadores cujo valor da produtividade é inferior a esse montante encontrarão trabalho no mercado informal, onde estão hoje em torno de 40% da força de trabalho. Ou, pior, serão "informais por conta própria", por exemplo, os lavadores de carros, os flanelinhas e essa multidão de permanentes semiempregados que se encontram em todas as áreas metropolitanas do país – sem qualquer benefício previdenciário e sem perspectivas. Outra coisa que não se vê é o efeito perverso que um salário mínimo, quando fixado muito alto, tem sobre o emprego dos jovens e dos trabalhadores sem qualificação. Ambos têm produtividade menor que a média dos trabalhadores, seja por terem menor conhecimento ou menor qualificação para o trabalho e poderem ser substituídos por equipamentos. Também não se vê o impacto do aumento do mínimo sobre os preços dos produtos e serviços das empresas que empregam trabalhadores pouco qualificados. Esse aumento de custo pode traduzir-se em aumentos de preços que afetam diretamente os consumidores de baixa renda, justamente os que ganham o salário mínimo. Não há evidência conclusiva a respeito dos efeitos de aumentos do mínimo, no Brasil e em outras partes do mundo. Há somente concordância de que esses efeitos são perversos na França, onde o mínimo é muito elevado em relação a seus congêneres no hemisfério norte. Naturalmente, a magnitude dos efeitos de um aumento do mínimo depende tanto do valor do acréscimo como das condições naquele momento do mercado de trabalho. Com a retomada eventual da economia brasileira, a atual regra de reajuste do mínimo pode produzir efeitos significativos sobre o emprego. Isso não ocorre atualmente porque temos tido um crescimento médio pífio nos últimos anos. Não creio que nenhuma dessas considerações passe pela mente dos responsáveis pela fixação do salário mínimo, o mais das vezes preocupados em utilizar os reajustes apenas para seus próprios interesses eleitorais.
[Este artigo foi originalmente publicado no “Diário do Comércio”, de São Paulo.]