Roberto Fendt
Ainda o que se vê e o que não se vê
Vemos os benefícios concedidos a um ramo industrial e não vemos os custos de todos os demais
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O tema do que se vê e do que não se vê parece inesgotável. Tratei dele recentemente e não resisto à ideia de voltar a explorá-lo, especialmente agora quando estamos diante de situação similar. O noticiário deu conta de que representantes da indústria reagiram mal a comentários feitos pelo Senador Aécio Neves sobre a política de crédito ao setor praticada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
As críticas à política de crédito subsidiado do BNDES já haviam sido anteriormente verbalizadas por Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, que durante uma longa entrevista afirmou que os subsídios embutidos nos financiamentos do Banco são "exagerados" – especialmente aqueles associados ao Programa de Sustentação do Investimento (PSI).
Como é sabido, o PSI financia as empresas que adquirirem bens de capital com um mínimo de 60% de conteúdo nacional. A definição de bens de capital é ampla e contempla uma variada gama de bens necessários à produção, de caminhões a grandes turbinas. Os subsídios do financiamento provêm dos prazos dilatados do financiamento e dos seus encargos, que são inferiores ao custo de captação dos recursos repassados pelo Tesouro Nacional ao BNDES.
Compreensivelmente, a entidade representativa da indústria reagiu às afirmações. Afinal, esse é o papel de quem representa um setor industrial: defender os interesses de seus associados. Não há nada errado nisso. Em uma democracia, os interesses das partes são apresentados e confrontados. Desse entrechoque emergem consensos que se transformam em políticas públicas.
Assim, segundo a entidade que representa os interesses da indústria de bens de capital aqui estabelecida, "o PSI é o único instrumento eficaz de política industrial nesse país". É ele que tem evitado que o faturamento da indústria caia ainda mais, com a retração do investimento na economia.
Para o candidato da oposição, o problema não está na concessão de subsídios, mas na sua aplicação generalizada. A concessão de subsídios deveria constituir uma exceção e não a regra, como se pratica atualmente. A concessão dos subsídios não teria causado um aumento no investimento. Implícito nessa crítica está a ideia de que a ação serviu somente para aumentar a taxa de retorno da indústria, sem maiores benefícios para a sociedade como um todo.
O senador oposicionista sustenta que seria adequada uma política de incentivos aos produtores de bens de capital estabelecidos no país caso esses incentivos fossem temporários e em resposta a uma crise, nos moldes do observado em 2008-2009. A continuidade do programa, pois, não mais se justificaria.
A crítica não se restringe ao PSI e aos empréstimos subsidiados aos bens de capital produzidos no Brasil. De fato, estende-se à multiplicidade de subsídios que conforma a política econômica do governo. Se na crise de 2008-2009 foi acertado expandir o crédito dos bancos públicos diante da retração dos empréstimos dos bancos privados, não haveria razões para continuar com essa política seis anos depois da crise.
A indústria alega que a concorrência chinesa impede a competição em igualdade de condições no mercado interno brasileiro. A política de subsídios embutida nos financiamentos do BNDES estaria protegendo o setor de uma concorrência "predatória" e objetivaria equalizar condições concorrenciais. Essa diferença de condições adviria principalmente das diferenças de impostos nos dois países. Não seria possível, alega-se, concorrer com os bens de capital chineses – e com bens de capital de outras procedências – se a indústria tivesse de recorrer aos empréstimos do sistema bancário.
Os fatos, aquilo que se vê, estão ao alcance da vista de todos. O BNDES financia a indústria de bens de capital – amplamente definida – com taxa de juros em torno de 6% ao ano. Essa taxa sequer cobrirá a inflação, caso ela permaneça no atual patamar nos próximos anos. O Tesouro Nacional capta recursos a um custo próximo do dobro ao cobrado pelo BNDES em seus empréstimos e repassa os fundos ao BNDES.
O que não se vê é que a totalidade da indústria compra bens de capital mais caros do que aqueles disponíveis no mercado internacional. Esse custo vai afetar sua competitividade, tanto no mercado interno como em suas exportações. Empregos são sacrificados, na maior parte os da indústria, em benefício dos empregos gerados nos setores beneficiados pela política industrial do governo.
A moral da história é simples: vemos os benefícios concedidos a um ramo industrial e não vemos os custos de todos os demais. Não seria o caso de rever-se essa política, qualquer que seja o candidato eleito?
[Este artigo foi originalmente publicado no “Diário do Comércio”, de São Paulo.]