Sergey Baldin
Chegou a hora do retorno da Rússia à América Latina
Parte II – Um novo concorrente na conquista do espaço econômico do continente
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As mudanças geopolíticas nos países da América Latina e do Caribe fundaram novas tendências na luta pelas áreas de influência no espaço econômico da região.
A presença da China como um dos maiores players no mercado latino-americano de produtos, serviços e capitais já é um fato consumado. Os empresários locais têm cada vez mais dificuldades para concorrer com os produtos de alto consumo e eletrodomésticos chineses. Além disso, já estão surgindo produtos chineses de melhor qualidade e preço em segmentos de alta tecnologia, como no caso de automóveis e máquinas geradoras de energia.
Os chineses demonstram grande interesse em investir e criar joint-ventures na América Latina nos setores como siderurgia, mineração, transporte, energia, bem como de participar da exploração de jazidas de petróleo, como o objetivo de garantir maior fornecimento desse produto para a sua economia em vertiginoso crescimento.
A ofensiva chinesa tem se desenvolvido com sucesso também no mercado norte-americano, onde está acontecendo um lento mas gradual deslocamento de alguns países latino-americanos do tradicional mercado dos Estados Unidos. Em 2003, por exemplo, a China ultrapassou pela primeira vez os mexicanos no comércio com os EUA, mesmo apesar de o México ser membro do NAFTA, o que garante acesso preferencial para os produtos mexicanos nos mercados dos EUA e do Canadá – algo que nenhum país no mundo tem.
Quanto ao Brasil, desde 2009, a China passou a ser o maior parceiro comercial desse país, tomando o lugar dos EUA. Desse modo, em 2009, a balança comercial Brasil-China atingiu 36,9 bilhões de dólares. Já em 2010, a balança comercial Brasil-China foi de 56,3 bilhões de dólares, uma cifra recorde, possibilitada pelo aumento das importações brasileiras do país oriental em 60,85% (25,5 bilhões de dólares) e das exportações em 46,57% (30,7 bilhões de dólares).
Quando se fala de todos os players na América Latina, não se pode esquecer da presença das grandes companhias e corporações norte-americanas, que continuam presentes na região e que ainda determinam a maioria das regras do jogo nesses países.
Os produtos made in URSS tinham demanda na América Latina
Os países da América Latina são parceiros tradicionais da Rússia.Entre 1960 e 1980, quando a Rússia empreendeu esforços no sentido de ampliar a influência política no continente latino-americano, também se desenvolveram os laços comerciais e econômicos com esses países, impulsionados por muitas associações e empresas voltadas para o comércio exterior, criadas nos ministérios soviéticos.
O apoio estatal também se estendeu para a organização de exposições, graças ao que os pavilhões soviéticos nas feiras latino-americanas sempre contavam com os mais modernas mercadorias e frutos da ciência e alta tecnologia soviéticas. Existia uma demanda para tal justamente nos países em desenvolvimento da América Latina e de outros continentes.
Naqueles anos, além de Cuba e Nicarágua, a URSS manteve uma parceria técnica e econômica séria com Argentina, Brasil e Peru. Grandes projetos em geração de energia e industriais, que hoje precisam ser modernizados, foram construídos por especialistas soviéticos. A URSS exportou aviões e helicópteros, maquinaria industrial, máquinas agrícolas. Desenvolveu parceria na área de pesca.
Os produtos com a indicação “feito na URSS” são lembrados até hoje na América Latina. Muitas hidrelétricas, construídas nos maiores rios da América do Sul, ainda funcionam com as turbinas e geradores soviéticos. Em Cuba, passam o resto de suas vidas os famosos automóveis de passeio soviéticos: Moskvitch, Niva, Zhiguli e Volga.
Como todos sabem, Cuba sempre foi o principal parceiro da Rússia na região. Os bilhões de dólares investidos pela União Soviética na economia cubana hoje se justificam somente do ponto de vista de promoção da ideologia comunista nesse país. Além disso, de todos os parceiros da Rússia na América Latina, foi Cuba que mais sentiu as consequências do desmantelamento da URSS. O país, apesar de tudo, não só sobreviveu à crise como também manteve uma certa esperança de reatar o relacionamento com a Rússia.
As perspectivas de reformas da economia cubana segundo o modelo chinês ou vietnamita, num futuro próximo, poderá inaugurar novas possibilidades para o empresariado russo. Evitando os desacertos do passado, é importante a manutenção da presença da Rússia nesse país caribenho, onde os russos, um dia, já se sentiram em casa – mesmo estando a 70 milhas da fronteira dos Estados Unidos.
A URSS foi um grande mercado consumidor de produtos alimentícios argentinos, principalmente de grãos. Esse comércio chegou a seu ápice em 1970, quando a União Soviética passou a ser o maior importador de grãos da Argentina.
Foi também nessa época, em 1970, que o relacionamento comercial do Brasil com a URSS de desenvolveu de modo mais dinâmico. O Brasil, como nos dias de hoje, detinha um saldo positivo na balança comercial bilateral. Na época, ambos deram passos práticos, voltados para o estímulo do intercâmbio comercial. Desse modo, foram assinados acordos intergovernamentais, segundo os quais a URSS fornecia créditos ao Brasil para a aquisição de maquinaria e tecnologias soviéticas em troca do uso desses recursos auferidos na importação de produtos brasileiros. No âmbito desses acordos, foram assinados contratos de fornecimento de equipamento gerador de energia soviético para as hidrelétricas brasileiras de Capivara e Sobradinho, na época em fase de construção.
Na década de 1980, começaram a ser realizados no Brasil projetos de cooperação técnica com a União Soviética. Assim, na cidade de Uberlândia, foi aberta uma fábrica de produção de álcool etílico a partir de hidrólise de madeira. Os engenheiros soviéticos realizaram serviços em fábricas metalúrgicas brasileiras.
Na segunda metade da década de 1980, o Brasil e a URSS viveram grandes períodos de mudanças. No Brasil, teve início o processo de redemocratização com a instauração de um governo civil. Já na URSS foi anunciada a mundialmente famosa “Perestroika de Gorbachev”.
Portanto, o potencial comercial e econômico, desenvolvido nos países da América Latina e do Caribe na época soviética, preparou o terreno e garantiu boas chances para o seu crescimento nas condições atuais da realidade russa.
Países latino-americanos – parceiros de negócios promissores e confiáveis
A Rússia contemporânea, atuando de modo ativo nos processos da globalização, tem por objetivo a diversificação dos laços na economia externa. Nessas condições, o objetivo de fortalecer as posições comerciais nos mercados externos tradicionais para a Rússia deve ser complementado pelo desenvolvimento das relações com novos parceiros promissores, a quem se poderia oferecer produtos competitivos e serviços das companhias russas. Esses parceiros alternativos devem ser buscados entre os países da América Latina, que estão desempenhando um papel cada vez mais importante no sistema econômico internacional.
O crescimento econômico dos países latino-americanos é propiciado, principalmente, pelo dinâmico desenvolvimento do comércio externo e pela atração de investimentos estrangeiros em projetos de infraestrutura e produção industrial.
Segundo os dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe da ONU, a CEPAL, o PIB somado dos países da região em 2009 alcançou 4 trilhões de dólares. Em consequência da crise financeira e econômica internacional, o crescimento do PIB somado nos países da América Latina e do Caribe foi negativo, apresentando uma queda de 1,9%.
O volume de investimentos estrangeiros diretos somou 66,276 bilhões de dólares. A inflação média foi de 4,7%. O volume somado de exportações de bens e serviços em 2009 foi de 805,279 bilhões de dólares (México – 244,550 bilhões; Brasil – 180,745 bilhões; Argentina – 66,562 bilhões; Chile – 62,242 bilhões). O volume somado de importações foi de 783,696 bilhões de dólares (México – 257,596 milhões; Brasil – 174,657 milhões; Chile – 49,335 bilhões; Argentina – 48,951 bilhões).
A existência de um grande potencial industrial e da presença de matérias-primas para o desenvolvimento, bem como o clima positivo para investimentos, alto nível de credibilidade financeira, sistema bancário desenvolvido, permanente necessidade de importações de maquinaria, grandes possibilidades de exportação de produtos agrícolas – todos são fatores que garantiram aos países da América Latina e do Caribe a reputação de parceiros de negócios confiáveis.
Os países da América Latina, demonstrando certa preocupação quanto à manutenção da dependência comercial e econômica dos Estados Unidos, tendem a adotar a política de uma abertura regional dos mercados nacionais e estão prontos para desenvolver relações com todos os países do mundo, inclusive com a Rússia. Por isso, os países da América Latina e do Caribe configuram uma opção interessante para desenvolver parceria mútua com a Rússia.
[Na próxima coluna: Chegou a hora do retorno da Rússia à América Latina – Parte III – A cooperação com a América Latina é de grande importância estratégica para a Rússia]