Sergey Vassilyev
O Brasil no caminho da modernização
Parte V (final) – Do futuro para o presente
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A época FHC-Lula foi decisiva para a modernização do Brasil. Durante esse período foram criadas instituições econômicas modernas, e o sistema político foi aperfeiçoado. Muitos problemas crônicos, que impediam o desenvolvimento, foram resolvidos. Grande parte da população não só abandonou a pobreza como também foi integrada em sistemas modernos de produção e de consumo. Diversos estados do Nordeste e da Amazônia ainda estão atrasados no desenvolvimento econômico e social. Esses atrasos, porém, já são qualitativos e não quantitativos. Nesses estados já estão sendo realizadas com sucesso atividades características de regiões mais desenvolvidas. O crescente mercado interno está se tornando uma das principais locomotivas do crescimento econômico.
Nos próximos dez anos o Brasil tem garantida uma considerável reserva demográfica. A transição demográfica está se concluindo, a natalidade já está baixa, mas a quantidade da população economicamente ativa ainda cresce com bastante velocidade. Ao mesmo tempo, o peso da Previdência sobre o orçamento vai aumentar. Enquanto o crescimento econômico continua, não há grandes riscos nisso. A primeira crise alongada nos mercados das matérias-primas, todavia, trará esse problema à tona, justamente no momento em que o país estiver sem recursos. É uma bomba-relógio. De qualquer maneira, é uma situação comum em todos os países desenvolvidos ou em desenvolvimento.
Durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil realizou profundas reformas institucionais em praticamente todas as esferas da vida econômica e social. O sucesso dessas reformas se deveu a uma série de fatores objetivos e subjetivos.
Em primeiro lugar, durante a ditadura militar muitos professores de ciências humanas foram demitidos das universidades por motivos políticos. A maioria foi exonerada, perdendo o direito de lecionar. Um considerável número emigrou para os Estados Unidos e países europeus, trabalhou em organizações internacionais, teve acesso à experiência internacional e aos novos métodos de modernização dos recursos econômicos e sociais. Ao retornar ao Brasil, esses intelectuais tiveram a possibilidade de aplicar o seu conhecimento e as experiências.
Em segundo lugar, FHC, como um dos reconhecidos líderes intelectuais de sua geração, pôde atrair os melhores especialistas de cada área. A maioria desses especialistas já era conhecida pessoalmente graças ao trabalho na academia.
Em terceiro lugar, a monstruosa decomposição do estado e da sociedade no final da década de 80 provocou uma mobilização da elite que apoiou as reformas, mesmo indo de encontro aos próprios interesses de curto prazo, em alguns casos.
Em quarto lugar, FHC demonstrou ser um excelente político. Para a condução da maioria das reformas, eram necessárias alterações na Constituição. Essas alterações deveriam ser aprovadas pela maioria qualificada (60%) de ambas as câmaras do Parlamento. Cardoso conseguiu essa maioria em condições de um corpo parlamentar muito fracionado, recebendo votos até de partidos da oposição.
As mudanças institucionais, iniciadas por Fernando Henrique Cardoso, foram praticamente paralisadas durante a presidência de Lula. O PT rotulava essas reformas de neoliberais. Por outro lado, com a conjuntura econômica mundial favorável e com a retomada do crescimento, a continuação das reformas realmente parecia desnecessária. O desenvolvimento atual do Brasil demonstra que a base institucional fundada pelas reformas é muito consistente. Mais cedo ou mais tarde, entretanto, quando acontecer a próxima grande crise, o preço de ter paralisado as reformas se tornará evidente. Contudo, alguns passos no sentido de fortalecer a componente social, realizados por Lula, desempenharam um papel positivo e nivelaram as contradições originadas no período precedente.
Após Stefan Zweig ter proferido, ainda nos anos 40 do século 20, a sua famosa frase, o Brasil passou a ser chamado de “país do futuro”. Com o passar do tempo, muitos insistiram em destacar com certo desgosto que Brasil será para sempre um país do futuro, com um presente detestável. No entanto, finalizada a época dos dois últimos presidentes, o futuro finalmente parece ter começado a se tornar realidade. Isso somente aconteceu porque o Brasil não parou de trabalhar sobre os seus erros e foi coerente na consecução de seus objetivos. O progresso interno rapidamente se tornou visível.
A principal ameaça ao desenvolvimento do Brasil pode residir em despreocupação exagerada e até num certo narcisismo. Os brasileiros sempre estiveram certos de sua grandeza nacional. O fato de tudo ter dado errado se atribuía às circunstâncias desfavoráveis. Agora as circunstâncias estão favoráveis. A economia cresce, a influência política externa está aumentando, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 mais uma vez demonstrarão a “grande potência que somos”. Esse narcisismo, levado às ultimas consequências, tem potencial de novamente transformar o Brasil no “país do futuro”.