Visita Presidencial à Rússia
Pratini de Moraes: “Visita de Dilma Rousseff à Rússia é um gesto muito positivo”
Ex-Ministro considera que o saldo da viagem presidencial será uma série de resultados pragmáticos
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Prosseguindo com a série de entrevistas que o Programa Voz da Rússia e o site Diário da Rússia estão realizando em torno da visita que a Presidenta Dilma Rousseff fará à Rússia entre os dias 12 e 14 de dezembro, conversamos com o ex-Ministro Marcus Vinicius Pratini de Moraes, copresidente do Conselho Empresarial Brasil-Rússia.Presente à entrevista, e dela participando, esteve Aleksander Medvedovsky, representante no Brasil do Conselho Empresarial Rússia-Brasil.
Gaúcho de Porto Alegre, nascido em 23 de abril de 1939, Marcus Vinicius Pratini de Moraes ocupa cargos políticos desde a década de 60, e a partir dos anos 70 integrou o Poder Executivo. Entre 24 de fevereiro de 1970 e 15 de março de 1974, foi Ministro da Industria, Comércio e do Turismo; entre abril e outubro de 1992, foi Ministro da Minas e Energia; e, entre 1999 e 2002 foi Ministro da Agricultura e Abastecimento. Pratini de Moraes foi também Presidente da Fundação do Centro de Estudos e Comercio Exterior e da Associação de Comercio Exterior no Brasil e integrou entidades ligadas à exportação.
Esta entrevista foi realizada por Arnaldo Risemberg.
Voz da Rússia: Ministro Pratini de Moraes, a Presidenta Dilma Rousseff visitará a Rússia em dezembro, entre os dias 12 e 14. Como o senhor avalia o impacto dessa visita e o que ela representará para o relacionamento entre Rússia e Brasil?
Pratini de Moraes: Eu acho que é um gesto muito positivo da nossa presidenta e inclusive, pelo que estou sabendo, a Presidenta vai passar o seu aniversário em Moscou. Isso é uma demonstração de que ela tem um carinho especial pela Rússia. Eu sempre tive um carinho especial pela Rússia, país que conheci em 1964. Acredito que o momento Rússia – Brasil pois nós já somos dois países que atingiram um grau de maturidade nas suas relações comerciais. Portanto, é preciso estabelecer novas frentes, novos sentidos de direção de acordo com aquilo que nós aprendemos até agora. Rússia e Brasil são países complementares. O Brasil vende para a Rússia produtos alimentícios e a Rússia vende fertilizantes para o Brasil. Isso sustenta o comercio bilateral que cresceu muito mas sustenta, também, movimentos voláteis, Agora, por exemplo, há uma queda no comércio das carnes. Então, é preciso encontrar mecanismos que simplifiquem e que reduzam alguns desses problemas, sobretudo estabeleçam novos horizontes. No comercio Brasil-Rússia, há dois pontos fundamentais. O primeiro é logística porque a Rússia é um pais longe do Brasil e, então, uma das coisas que precisamos fazer é intensificar a preparação dos nossos portos do Nordeste por exemplo, o que vai economizar 4, 5, 6 dias de viagem até a Rússia, e isto está acontecendo com muita lentidão. As novas produções do Maranhão, do Piauí e do Oeste da Bahia serão as grandes fornecedoras de proteína vegetal para o mercado russo. O primeiro ponto, portanto, é a logística já que a Rússia também tem seus problemas neste aspecto. Inclusive por causa do clima, há momentos em que o porto de São Petersburgo fica congelado. Então, acontecem às vezes reduções nas estatísticas de exportação porque o congelamento do mar aconteceu bem antes do previsto e é muito caro usar navios quebra-gelo para chegar até São Petersburgo. A segunda questão é marketing. O Brasil não é um país bom de marketing e aliás, a Rússia também não é porque tanto o Brasil como a Rússia são países que dependeram durante séculos só de matérias primas. Ora, matéria prima não tem marca. Tem origem mas não tem marca. Na Europa, eu me lembro de ter visto em Amsterdã, na Holanda, que as fundações das casas de madeira foram construídas sob toras de madeira trazidas da Rússia, Isso começou a acontecer nos séculos 12 e 13. Então, essa complementaridade precisa evoluir para produtos de maior valor e a melhor maneira de aumentar o valor dos produtos é o marketing. Nós temos que desenvolver mais marcas russas no Brasil e marcas brasileiras na Rússia. Eu me lembro, por exemplo, que estive várias vezes na Rússia e aprendi a beber água mineral Barjomi, Agora talvez, essa água não seja tão popular mas, na minha época, em 1964, 1965, era. Eu nunca vou esquecer a água mineral Barjomi. Eu me lembro também da vodka Stolichnaya, da Standard, todas marcas russas que estão tomando conta do mundo. A Rússia sempre foi associada a caviar, é um alimento exótico, diferente, caro mas nós temos de fazer com que os alimentos e bebidas de consumo mais universal sejam introduzidos nos dois países. Portanto, logística, marketing e produção comercial têm de ser desenvolvidos no relacionamento Rússia – Brasil.
VR: Como copresidente do Conselho Empresarial Rússia –Brasil, de que forma o Sr. analisa o atual estágio das relações russo-brasileiras?
PM: Acho que elas estão bem. De vez em quando costuma se ouvir que a Rússia proibiu a carne brasileira de porco de entrar no país. Ora, quem atua no campo da carne, sabe que existe sempre um certo protecionismo sanitário. No Brasil, este problema talvez até ocorra menos. Normas sanitárias aplicadas com certo exagero, com certo excesso, criam desconforto. Quando estive no Ministério da Agricultura, eu aprendi uma lição. Eu ia a Moscou e fazia churrasco para o Ministro da Agricultura da Rússia na Embaixada Brasileira na capital russa. Por outro lado, nós sempre estivemos presentes nas feiras realizadas na Rússia, principalmente, em Moscou. Acho que Brasil e Rússia têm uma coisa em comum muito importante. Trata-se de duas nações com dimensões continentais. A Rússia é maior ainda do que o Brasil e qual é o horizonte entre estes dois países? Os nossos países têm um horizonte para construir pois apresentam muitos problemas, muitas dificuldades, em áreas nas quais a logística passa a ser essencial. O mais importante de tudo é que nós, russos e brasileiros, ainda não nos conhecemos suficientemente. Há um hiato de desconhecimento que tem de ser preenchido. Desde que estive na Rússia pela primeira vez, aprendi a respeitar um país gigantesco, com desafios até maiores do que os enfrentados pelo Brasil. O Brasil tem o desafio da Floresta Amazônica mas a Rússia tem milhões de quilômetros quadrados e climas extremamente duros e pesados. A Rússia é muito fria no inverno e, em vários locais, os ambientes se tornam hostis devido às baixíssimas temperaturas. Mas, ao mesmo tempo, você passa a sentir que o povo russo precisa de muita luta para sobreviver. Eu me lembro que, uma vez, eu peguei em Moscou uma temperatura de quase 30 graus abaixo de zero. Não é nada fácil andar na rua com uma temperatura dessas. Apesar disso, a Rússia se construiu , enfrentou duas grandes guerras, tudo isso em meio à essas temperaturas hostis, extremas. Por tudo isso, digo que o povo russo é muito forte, tenaz e destemido. Eu estou lendo agora a história do Tamerlão. Eu sempre me interessei muito pela História da Ásia Central. Tamerlão foi quase um Imperador que ocupou desde o Egito até a região posterior aos Montes Urais. Você sente que ele andou por várias regiões e que cruzou a Rússia por diversas vezes. Eu fico pensando nas dificuldades enormes que eles enfrentaram, tanto os mongóis que ocuparam aquela região como hoje os russos até hoje enfrentam. Então, capacidade para resolver problema complicado é assunto para russo resolver.
VR: O senhor abordou uma questão que foi citada pelo seu colega empresário Aleksander Medvedovsky na série que estamos realizando em nosso programa sobre os preparativos da visita da Presidenta Dilma Rousseff a Rússia em dezembro, Aleksander citou a mesma coisa que o senhor observou sobre o amplo desconhecimento que marca as relações Rússia – Brasil. O que pode ser feito para vencer essa timidez de relacionamento?
PM: Nós temos que estimular mais visitas empresariais, em áreas culturais, históricas entre os dois países. Há dez ou quinze anos, venho insistindo que precisamos ter vôos diretos entre Rússia e Brasil. Isso aconteceu durante um certo tempo com uma escala. Mas, depois, aconteceu alguma coisa e o voo direto entre os dois países foi cancelado. De fato, é muito difícil manter vôos diretos ou sem escalas com distâncias muito longas. Mas os aviões atuais permitem fazer isso sem grandes dificuldades. Então mais gente do Brasil indo para lá, mais gente da Rússia vindo para cá, é uma iniciativa muito saudável. Brasileiros que vêm à Rússia concentram muito suas visitas em Moscou e em São Petersburgo. Em geral, os brasileiros gostam de música, gostam de arte, adoram ir ao Museu Hermitage em São Petersburgo. Eu mesmo já fui ao Hermitage umas dez vezes e não vi todo o acervo do Museu, mesmo tendo passado dias inteiros lá dentro. Os brasileiros adoram balé. Outra coisa importante que gera muita curiosidade é a História da Rússia.. É fantástica essa História. O que você nota é uma História, uma tradição nacional construída em cima de muita luta. Aqui no Brasil, é diferente. A História tem outro tipo de evolução. Mas a Rússia sempre teve a História marcada pela luta em prol da manutenção de um estado unitário.
VR: Uma outra citação do empresário Aleksander Medvedovsky em nossa entrevista foi a de que o comércio bilateral Rússia-Brasil vem sofrendo quedas drásticas. A que o senhor atribui esta queda e o que pode ser feito para revigorar esse relacionamento?
PM: Uma parte do problema é culpa do próprio Brasil porque com a valorização da nossa moeda, nós perdemos competitividade em alguns segmentos, inclusive no de alimentos. Isso afetou as exportações brasileiras particularmente na área de produtos primários, alimentos, commodities como é moda chamar. Mas agora, de uns seis meses para cá, houve uma correção de rumos que chegou a 8 a 10% de recuperação e que restabeleceu a competitividade e que baixou o preço em dólar. Portanto eu acho que esse movimento é intenso num certo momento mas que tende a ser regularizado. A produção de alimentos no mundo não está crescendo com a velocidade que tem de crescer. Nós temos um bilhão de pessoas que passam fome e nós temos o fato de que, até o ano de 2050, a população mundial vai atingir 9 bilhões 300 milhões de pessoas que vão querer comer. Essas pessoas vão precisar, sobretudo, de proteína animal. O Brasil tem condições de produção desta proteína, tem condições sanitárias e tem condições de preços muito competitivas. Com o dólar subindo mais um pouquinho, nós teremos competitividade absoluta nesses produtos. Outro aspecto que me parece importante, é que o conhecimento do ponto de vista comercial nessa área de carnes e cereais já existe. O que precisamos fazer não é, apenas, estimular o conhecimento dos empresários. Precisamos, na verdade, estimular o conhecimento de novos setores novos e precisamos, antes de tudo, fazer com que as pessoas se conheçam nos dois países. Enfim, brasileiros e russos precisam criar algum tipo de charme para os seus produtos. A matrioshka, por exemplo, tipo único de produção russa, tem de ser mais vendida no Brasil. Outra coisa: tenho visto muitos DVDs de balé e de orquestras russas e me lembro que, recentemente, comprei um disco antigo do Coro do Exercito Russo. Este disco é repleto de canções maravilhosas interpretadas por um coro fantástico. O que temos que lembrar também é que a nossa Presidenta Dilma Rousseff é de origem búlgara. A Bulgária sempre foi um país muito ligado à Rússia. Em períodos difíceis, a Rússia protegeu a Bulgária. Eu me lembro que, quando visitei a Bulgária há muitos anos, havia uma admiração generalizada pela Rússia pela proteção histórica prestada à Bulgária pelo país. Portanto, há uma relação especial entre Bulgária e Rússia e nossa presidenta certamente vai se referir a isso em sua viagem.
VR: Como o senhor já disse, o Brasil continua sendo um grande exportador de produtos agrícolas, entre os quais a carne, e um grande importador de fertilizantes produzidos na Rússia. Na sua opinião que outros produtos podem enriquecer a pauta comercial destes dois países?
PM: Não querendo entrar em temas de grande competição, mas eu acho que tínhamos de olhar mais para os aviões russos. A Rússia tem alguma proximidade com o Brasil no terreno da avião regional como é o caso, por exemplo, da EMBRAER. O Brasil é um grande utilizador de aviões para agricultura e a Rússia tem uma tradição até pela sua dimensão de aviões de longo curso até mesmo para a área agrícola. Não posso dar uma opinião sobre a questão técnica, mas sei que os helicópteros russos, pesados, são muito bons, todo mundo os usa. A Petrobras, por exemplo, utiliza estes helicópteros no Brasil para transportar equipamento pesado. Eu acho que a aviação é uma outra área que o Brasil ainda não conseguiu introduzir na Rússia. A Rússia tem uma estrutura de produção de equipamento pesado, ferroviário, portuário, de transporte e de movimentação de cargas. Tem também tradição na construção civil e uma enorme capacidade de produção. Na área eletrônica, ao invés dos foguetes Sputniks, a prioridade hoje é o Ipad e outros aparelhos do genero. É difícil dizer mas creio que a Rússia, também nessa área, deve ter muita coisa interessante. Há um outro setor que dizem ser dominado pela China mas que a Rússia também tem. São as terras raras em que elas próprias são as matérias primas básicas. Nessas terras, produzem-se metais igualmente raros utilizados na fabricação de computadores.
VR: Há poucos dias, o Brasil recebeu delegações da Rússia ligadas à Tecnologia da Informação. As delegações apresentaram seus novos produtos em São Paulo e no Rio de Janeiro, o que vem exatamente ao encontro do que senhor mesmo vem falando nesta entrevista, a necessidade de fortalecer o intercâmbio tecnológico entre os dois países.
PM: Isso é fundamental. Nós deveríamos aumentar a presença de especialistas brasileiros nos seus laboratórios e trazer da Rússia mais professores e especialistas para os nossos laboratórios. As vezes, escuto dizer que somos muito dependentes das tecnologias européia e norte-americana. Mas a Rússia é um país europeu também, que não pode ser descartado e que tem toda uma tradição. O que falta, mutuamente, ao Brasil e à Rússia é conhecimento mútuo. Eu me lembro que Aleksander Medvedovsky sempre se refere a isso, afirmando: “Nós temos que fazer os russos virem mais ao Brasil e os brasileiros irem mais a Rússia”. Isso é uma preliminar. Eu me referia à dificuldade de transporte, porque o acesso entre os dois países ficou difícil com a interrupção do voo direto. Temos de encontrar alguma forma para fazer com que os voos entre Rússia e Brasil sejam mais baratos. Isso permitirá que mais russos venham ao Brasil e mais brasileiros possam ir à Rússia. Os brasileiros costumam dizer o seguinte: “A Rússia é muito fria.” Mas os brasileiros sabem também que qa Rússia tem panoramas extraordinários. Perto de Moscou, por exemplo, existem aquelas florestas com aquelas árvores e plantas brancas, as bétulas. Elas são muito bonitas. No Brasil, não existe esta espécie. Insisto: temos de encontrar fórmulas que tornem mais freqüentes os contatos de aproximação entre russos e brasileiros. Eu tive uma experiência em Porto Alegre uma vez com um garoto de 15, 16 anos. Com a ajuda da Embaixada russa, consegui que ele fosse para o Conservatório Tchaikowsky, no qual ele foi muito bem avaliado. Hoje, este grande músico toca em, praticamente, todo o mundo. Senti que ele se deu muito bem na Rússia. Voltando à questão do frio. Os brasileiros que vão para lá reclamam muito do frio, o que é uma reação normal pois, em relação à Rússia, não temos esse frio todo aqui. Nós não aprendemos a conviver com isso mas o estilo brasileiro faz com que as pessoas consiogam se adaptar a isso. A própria língua russa não é difícil de aprender, porque os sons da língua russa são muito semelhantes aos sons da língua brasileira. Vamos comparar com o chinês, um idioma muito complicado. Os sons do idioma chinês, com aquelas variações mínimas existentes em cada sílaba, dificultam muito o aprendizado do idioma. O russo, não. Os brasileiros talvez só se atrapalhem com as declinações mas mas quem estudou latim ou fala alemão transita bem nesta área.
VR: Agora vamos contar com a participação do Aleksander Medvedovsky, que também irá responder a próxima pergunta feita pelo Sr. Ministro Pratini de Moraes. Algumas indústrias processadoras de carne do Mato Grosso, Paraná e Rio Grande do Sul estão impedidas pelo Controle Sanitário e Veterinário da Rússia de exportar seus produtos para este país. Essa proibição foi oficialmente instituída em 15 de junho de 2011. As restrições permanecem? A seu ver, as normas sanitárias exigidas pela Rússia são exageradas?
PM: Nenhum exportador vai dizer que não são exageradas pois elas são sim exageradas. No entanto, é preciso considerar duas coisas. A Rússia tem um serviço sanitário muito competente e as regras da Organização Mundial de Saúde impõem o sistema de controle sanitário. Mas, da forma atual como elas vêm sendo aplicadas, as regras da OMS dão margem à alguma confusão. Por exemplo, se um problema é descoberto no Amapá, é certo generalizá-lo por todo o país? Eu pergunto: se a Rússia descobrir, por exemplo, problemas numa determinada região da Polônia, todo o país ficará impedido de enviar os seus produtos para lá? Esse é o problema de países gigantescos como o Brasil. Outro exemplo: surge um caso de febre aftosa num único estado da Federação. Todos os demais estados terão de arcar com as conseqüências? É possível imaginar que os vírus vão avançar milhares de quilômetros pelo território nacional? Quando se descobre um vírus em Luxemburgo, a Rússia fecha a Suíça, a Alemanha e a França que estão ali ao lado? Não. Então, nós temos o caso claro de dois pesos e duas medidas. Nos últimos dez anos, e até antes, o Brasil investiu muito nos seus serviços sanitários e aumentou o controle nas fronteiras porque há problemas sanitários no Paraguai e na Bolívia. Esses problemas também estão sendo combatidos mas esses dois países têm menos recursos, menos veterinários, e em razão disso, a qualidade dos serviços sanitários é menor pela própria falta de recursos. O Brasil vacina o seu gado duas vezes por ano contra a febre aftosa. Quando fui Ministro da Agricultura, enfrentei problemas com isso. Os canadenses diziam que o Brasil tinha a doença chamada de vaca louca. Onde? Nunca detectamos isso. Vaca louca tinha no Canadá, nos Estados Unidos, na França, na Inglaterra, na Bélgica, o que provocou muitas mortes. Aqui no Brasil, não? E por que não tivemos mortes no Brasil? As pessoas não se dão conta de que, na Europa, uma parte da alimentação dos animais se faz com restos de frigoríficos, inclusive resíduos de células nervosas, justamente as que, se estiverem contaminadas, transmitem o vírus da vaca louca. Por que a doença se espalhou pela Europa? Porque vários países europeus permitiam que o gado fosse alimentado com os restos dos frigoríficos. Ora, os animais consumiam estes restos e, muitas vezes, a proteína modificada que facilitava o seu adoecimento. No Brasil, nós não tivemos nenhum caso de vaca louca. O bovino brasileiro é vegetariano, come pasto. Então, uma forma de conter a exportação brasileira de carne é espalhar boatos de que o gado nacional está doente e contaminado. Como a nossa carne é altamente competitiva, ela vai encontrar barreiras protecionistas na Europa. Então, por mero desconhecimento, acabam-se espalhando estes rumores que, absolutamente, correspondem à verdade. O Brasil não tem subsídios agrícolas, a Europa tem. A Europa tem produtos pela metade do preço porque os governos colocam esta diferença na conta do produtor. Essa é uma das razões que fortalecem o desafio de aumentar a produção de alimentos. É um desafio complicado pois os subsídios que os europeus, norte-americanos e japoneses concedem à agricultura e os russos estão dando agora também para carne, é o fator que destroça os preços de mercado. Diante dessa realidade, acredito que o Brasil e os Estados Unidos são os dois países que podem atender à essa demanda adicional. Os demais países podem mas em menor escala. O Brasil não pode deixar de investir na obtenção das tecnologias necessárias para melhorar a qualidade da nossa produção vegetal e animal. O Brasil precisa destas duas proteínas. Para fazer a proteína animal é preciso contar com a vegetal. Isso provoca um ciúme muito grande por aí. E por que isso acontece? Porque o Brasil investiu muito em tecnologia. A EMBRAPA fez coisas extraordinárias. A nossa produção está crescendo e nós recebemos críticas afirmando que, no Brasil, não está crescendo a área plantada. Ou então, falam-se inverdades como, por exemplo, “o Brasil está plantando na florest6a amazônica. Ora, na Amazônia não dá para plantar quase nada. Ou então dizem que estamos criando bois na Amazônia. Criar bois na Amazônia para quê se eles não terão do que se alimentar e ainda correm risco de morrer afogados pelas cheias dos rios? Só se alguém desenvolver algum método que permita a plantação de vegetais que resistam na Amazônia. Aí sim, os bovinos terão o que comer naquela região.
VR: Aleksander Medvedovsky, há um excesso de rigor da parte de controle sanitário russo em relação a carne brasileira?
Aleksander Medvedovsky: Em primeiro lugar, eu quero cumprimentar o Ministro Pratini de Moraes. É um imenso prazer vê-lo aqui nos estúdios da Voz da Rússia. Sou seu admirador de longa data. Gosto de trabalhar com o Ministro, e adoro as suas idéias. Trata-se de um grande pensador. É o nosso analista no melhor sentido dessa palavra. Mas isso também não me permite concordar com o tudo o que meu amigo Pratini de Moraes está falando. Sem dúvida nenhuma o relacionamento na área de controle vegetal entre Brasil e Rússia não é dos mais simples. Existem problemas na área do controle sanitário no Brasil embora ele tenha melhorado muito nos últimos tempos. Mas eu acredito que melhorou muito porque o nível de exigências aumentou. Também é verdade que não é sempre que a qualidade da carne brasileira serve como objeto de proibição. Existem outras razões para a defesa dos produtores nacionais que outros países estão aplicando. Mas a principal razão, no específico de Brasil e Rússia, é o desconhecimento profundo que existe entre os dois países. Isso porque o desconhecimento leva à desconfiança, principalmente nas relações comercias. Quanto menos você sabe sobre o seu parceiro de negócios mais desconfia dele. Brasil e Rússia são duas grandes nações com um grau de desconfiança bastante perceptível. É verdade que missões do Ministério da Agricultura da Rússia estão vindo ao Brasil. Mas também é verdade que missões de empresários brasileiros pedindo aumento de cotas vão à Rússia,. No entanto, falta confiança mútua. Faltam projetos conjuntos como por exemplo, investimentos no setor agrícola na Rússia. A meu ver, não há fundamento para esta desconfiança. As razões para esta desconfiança existir são pouco explicáveis. Qual é a saída para resolver esse impasse? Simples: ampliar e aprofundar o conhecimento. Este conhecimento maior entre os dois países produzirá confiança. Mas, para isso, será necessário que os dois países trabalhem muito. Os produtores terão de trabalhar mais no controle de qualidade dos seus produtos. Terão de trabalhar o marketing, e o Ministro Pratini de Moraes está coberto de razão ao abordar esta necessidade. Se você sai pelas ruas de Moscou e pergunta quem é o principal fornecedor de carne para o mercado russo, as respostas que vão lhe dar é Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos, Canadá mas, dificilmente, vão falar do Brasil porque Brasil fornece carne, principalmente, para a indústria de transformação. Quase não se vê carne brasileira na Rússia, aquela mesma carne que se vê em abundância no mercado dos Estados Unidos, em outros países e no próprio Brasil. Resultado: o Ministro Pratini tem de fazer churrasco para as autoridades russas para mostrar que a carne brasileira tem qualidade. O Brasil tem de fazer isso. Quem quer vender seu produto tem de investir nisso. O Brasil não investe na propaganda, na exibição do0s seus produtos assim como a Rússia não faz com os seus. Concordo plenamente com Ministro Pratini quando ele diz que os dois países precisam investir mais um no outro; investir no marketing de seu produto e investir no marketing dos seus países. O Brasil tem que investir no marketing do Brasil, e parar de falar tanto em carnaval, samba e tudo o mais. A Rússia tem de parar de falar de vodka, da neve, de máquinas pesadas pois tem várias outras coisas para oferecer. O Brasil também tem muita coisa para oferecer à Rússia. A Rússia tem uma quantidade imensa de produtos para oferecer para o Brasil. Isso, eu acredito, é o principal desafio para os próximos anos entre os dois países.
VR: Para finalizar essa questão das dificuldades enfrentadas pela carne brasileira na Rússia: Serguey Dankvert, que é o homem forte do Serviço Veterinário da Rússia, tem alegado que as missões russas que vêm ao Brasil para, sistematicamente, inspecionar os frigoríficos, são compostas por veterinários, biólogos, sanitaristas e que esses profissionais têm dito aos empresários brasileiros como a carne brasileira deve ser conservada para se adequar às exigências de consumo por parte da sociedade russa. Dankvert dizia que, ao expor estas recomendações, os sanitaristas russos encontravam uma certa resistência por parte dos empresários brasileiros. Procede essa alegação do Serviço Veterinário Russo, Ministro?
PM: Eu não creio que haja dificuldade de cumprimento de normas pois há muito bom entendimento entre as partes. Eu sempre encontrei o Serguey Dankvert e seus veterinários várias vezes no Brasil e eles sempre conversavam amigavelmente em consistência técnica. A verdade é a seguinte: em epidemiologia não existe risco zero, é muito difícil dizer que tal a doença nunca vai acontecer. Quem iria esperar que a vaca louca fosse tomar conta da Inglaterra que, supostamente, tem um bom serviço veterinário? Então, há momentos em que, como o país é muito grande nós temos cinco milhões e duzentas mil propriedades rurais desde de 1 hectare, meio hectare até propriedades de 100, 150, 200 mil hectares. É muito difícil estabelecer um padrão que seja cumprido por todo mundo então o que se faz os frigoríficos já tem as suas fazendas que fornecem sob controle e os estados e municípios em alguns casos têm também controle sobre estas propriedades. Eu creio que hoje, inclusive através dos programas de rastreamento melhorou muito a seleção que vai para abate, sobretudo a seleção que vai para abate para a exportação. Acho muito difícil que os empresários brasileiros se recusem a usar alguma recomendação do Serguey Dankvert ou de qualquer outro veterinário Da Rússia. Serguey Dankvert é um veterinário muito competente, muito bem formado e tem uma equipe muito boa. Eu não creio que haja desentendimentos. É muito difícil o processo de rastrear 200 milhões de animais que o Brasil tem . Os americanos não rastreiam. Por que? Porque eles têm a lista das propriedades rrais e acompanham como elas tratam os animais. Mas a verdade é a seguinte: em epidemiologia não existe risco zero. É alerta total sempre. O Brasil faz isso não só para atender o importador mas para garantir a saúde do brasileiro. Voce já ouviu alguma vez falar que alguém pegou febre aftosa no Brasil? Aftosa não atinge o ser humano. Há é muito terrorismo, muito interesse comercial, muita política de cotas. Como a Europa vive de subsídios é a primeira a alimentar essa situação, eu espero que a Rússia não faça parte da Europa que tem essa postura,mas eu sempre gostei de ouvir dos veterinários russo as suas sugestões.
VR: Para encerrar essa questão, Aleksander, você também vê alguma resistência do brasileiro em se ajustar às normas russas?
AM: O Brasil conseguiu resultados que acho que nenhum outro país conseguiu se transformar em um país praticamente insignificante em termos de agricultura (o agrobusiness mundial) num dos lideres em relação à carne líder mundial. Esse resultado tem que ser respeitado de um lado. Do outro lado, o controle sanitário de produtos agrícolas no país do tamanho do Brasil extremamente complicado Quando chega uma comitiva de 10, 15 pessoas que precisam analisar fazendas imensas com 8 mil cabeças , como o Ministro Pratini citou, qualquer alarme se transforma em fato maior e isso cria resultado negativo. Qual é a saída para isso? Acho que há saídas, vou dizer mais uma vez. Em primeiro lugar, aumento de confiança porque quando você confia no parceiro , você consegue avaliar, analisar, mesmo que haja mil problemas. Se você conhece, você sabe que o seu parceiro conseguirá resolver a situação e isso não vai trazer conseqüências. Em segundo lugar, mais uma vez, marketing. Quando você tem confiança no produto e no produtor você olha qualquer problema com outros olhos.
VR: Ministro Pratini de Moraes, o senhor estará na delegação brasileira que irá a Rússia com a Presidenta Dilma Rousseff?
PM: Nós estamos num dilema. Certamente o pessoal do Conselho Empresarial Brasil-Rússia vai participar e eu estou pedindo inclusive que o Aleksander Medvedovsky assuma a direção quando eles estiverem lá na Rússia. Mas falando claramente, nós estamos com um problema: estamos inaugurando uma fábrica com, um milhão e meio de tonelada de celulose no dia 12 de dezembro. Então, o meu deslocamento para a Rússia ficou um pouco complicado. Mas, à distância com os nossos representantes, nós vamos estar presentes. Quero apenas dizer o seguinte: será um grande prazer por tudo aquilo em que eu puder contribuir. Eu acho que esse programa vai na linha da comunicação e nós sabemos (o Aleksander falou algumas vezes) que o problema fundamental é de comunicação.